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Toyota Bandeirante, intrépido japonês que desbravou a imensidão do Brasil durante quatro décadas


Fora de estrada que trouxe a Toyota ao país, em 1958, ficou conhecido pela fama de indestrutível e até hoje mantém uma legião de admiradores.

Por: Anderson Nunes / Fotos: Carlos Eduardo Santos - 02 de julho de 2020

Uma das características mais curiosas durante os primórdios da implantação da indústria automobilística no Brasil foi o fato de que muitos fabricantes estrangeiros chegaram ao país não por operações próprias, mas sim com atividade de representais locais que montavam os seus modelos com componentes importados mediante licença.

Foi assim com os pioneiros como a Volkswagen, DKW, Dodge entre outros que aportaram em solo brasileiro. Entretanto o que poucos recordam-se é que na ocasião uma jovem empresa japonesa, com pouco mais de duas décadas de atuação em seu país de origem chegou de forma discreta como reza a cartilha oriental. Essa companhia atendia pelo nome de Toyota. No caso da fabricante japonesa, a história tem origem com a Sociedade Comercial Arpagral Ltda., que no início dos anos 1950 importava chassis de veículos comerciais (caminhões e ônibus) e também o utilitário Land Cruise FJ 25.

Em um país que carecia de uma infraestrutura adequada, o jipe Toyota FJ 25 encontrou um terreno próspero e uma boa parcela de clientes que necessitavam de um veículo robusto e com aptidão para o fora de estrada. Diante desse cenário, em 1955, antes mesmo da posse do presidente Juscelino Kubitschek e da criação do Geia, a Toyota e seu representante local abriram negociações com o governo do Estado de Minas Gerais para implantar uma fábrica de jipes no município de Santa Luzia, com capacidade de montar 300 unidades por mês. Entretanto o plano não foi adiante. 

Porém, em 16 maio de 1956, com o advento do Geia (Grupo Executivo da Indústria Automobilística), órgão responsável pelos estímulos à produção local, os executivos da Toyota visitaram novamente o Brasil e sentiram-se mais seguro para poder investir em uma linha de produção. Desse modo, em 23 de janeiro de 1958 a marca se instala oficialmente no Brasil, com um escritório aberto no bairro paulistano do Ipiranga. A produção, todavia, iniciou somente em maio de 1959, em instalações provisórias adquiridas da Rover, no bairro do Ipiranga (SP), onde os veículos eram montados pelo regime CKD (completamente desmontados).

Em 1961, a Toyota compra um terreno em São Bernardo do Campo (SP), onde veio a instalar a primeira unidade fabril da marca fora do Japão. E, a partir de 1962, passou a fabricar o modelo Bandeirante nacional, que durante 42 anos se posicionou como referência no mercado de utilitários.

JAPONÊS NATURALIZADO BRASILEIRO

O jipe Land Cruiser a ser montado no Brasil a partir de 1959 correspondia à segunda geração do modelo que foi lançado no Japão em 1955 sob o código Série 20. O visual seguia a cartilha do jipe Willys: para-lamas retos, para-brisa plano e faróis embutidos na grade. Era equipado com o motor a gasolina Toyota Tipo F de seis cilindros, 3,9 litros de 120 cv e torque 24 m.kgf. Atrelado ao trem de força estava o câmbio manual de quatro velocidades sendo a terceira e quarta marchas sincronizadas. A velocidade máxima ficava um pouco acima dos 100 km/h.

Aqui vale ressaltar uma curiosidade: o motor Toyota F era nitidamente baseado no Chevrolet de seis cilindros em linha, popularmente conhecido nos EUA como Stovebolt "parafuso de fogão", devido à semelhança dos prisioneiros do cabeçote rosqueados no bloco. A semelhança é tanta que todos os agregados do motor são intercambiáveis, o que faz do motor Toyota uma cópia quase perfeita do motor Chevrolet. Até o ruído de funcionamento era praticamente o mesmo.

Em termos dimensionais o jipe tinha 3,83 metros de comprimento, 2,28 metros entre-eixos e 1.450 kg de peso. Podia acomodar até seis pessoas em dois assentos inteiriços. O estepe assim como no Jeep Willys vinha fixada na lateral traseira direita. 

Logo após o início de produção, a porcentagem de peças nacionais já alcançava 60%. Uma nova versão de capota de lona era acrescentada ao catálogo. Porém, ainda nessa fase de regime CKD, haveria uma relevante mudança no Land Cruiser brasileiro: a troca do motor a gasolina Toyota pelo OM-324 a diesel, de quatro cilindros fornecido pela Mercedes-Benz, com potência de 78 cv a 3.000 rpm. 

Embora menos potente que a versão a gasolina, o motor de origem alemã primava pelo bom torque em baixa rotação e aliado à transmissão que era a mesma do modelo a gasolina, com a primeira marcha bem reduzida (relação de 5,41:1) e a segunda sendo usada para arrancar no uso urbano; isso fazia com que o modelo da Toyota dispensasse a caixa de transferência do 4x4. Com a troca de motores o jipe passa a adotar a nomenclatura Bandeirante a partir de 1962, um nome bem apropriado para um modelo desbravador, que encarava os terrenos mais difíceis com valentia, além de ideal para um país até então estritamente agrário e com uma malha viária precária e reduzida. Em 1962 foram comercializadas 627 unidades.

Sob a denominação Bandeirante a carroceria passou a ser estampada pela Brasinca a partir de 1963, o que possibilitou um maior leque de versões como o modelo longo, com 2,75 m de entre-eixos (contra 2,28 do modelo menor), que contava com duas portas e nove lugares. No ano seguinte foi lançada a picape e, logo depois, o jipe longo com quatro portas e capota de lona.

Nos anos posteriores somente pequenas atualizações como a nova grade dianteira para a linha 1966. No ano seguinte, suspensões, freios e sistema elétrico foram reformulados. No interior os bancos ganharam um novo desenho mais anatômico. A média anual de vendas estava na casa de 700 unidades.  

NOVO BANDEIRANTE

Em 1968 a Toyota do Brasil apresentava uma nova geração do Bandeirante, batizada internamente pela empresa como J40. Tinha como diferenciais uma carroceria de maior dimensão, porta e janelas mais amplas. Todo o processo de estamparia passava a ser integralmente feito pela própria Toyota. O motor recebia novos coxins. Internamente os bancos ganharam o sistema de regulagem de distância e o painel que antes era importado com termos redigidos em inglês foi redesenhado e substituído por um conjunto fabricado no país. 

Em 1972 um marco para a Toyota foi atingido: nesse ano o Bandeirante de número 10 mil deixava a linha de produção. Outra mudança mecânica ocorreu em 1973 com a adoção do motor Mercedes-Benz OM-314. Trazia injeção direta de combustível, cilindrada de 3.784 cm³ e potência de 85 cv a 2.800 rpm, além de taxa de compressão mais baixa de 17:1 contra 20,5:1 do motor OM-324. 

Alterações de ordens técnicas foram aplicadas à linha 1981 sendo a principal na transmissão, que passou a contar com a reduzida na caixa de transferência. Desse modo o Bandeirante passava a ter quatro marchas "reais" e sincronizadas, mesmo esquema adotado nos Land Cruiser japoneses de 1974. A segurança foi aprimorada com a introdução do servo-freio, junta elástica na coluna de direção e luz de ré. E no visual o nome “Bandeirante” era estampado diretamente na carroceria.

Outra modificação importante foi a adoção o eixo flutuante. Nesse sistema, os cubos de roda são apoiados diretamente na carcaça do eixo e as semiárvores são responsáveis apenas pela tração. Trata-se de um sistema mais seguro, uma vez que no eixo semiflutuante os cubos das rodas são fixados diretamente nas semiárvores.

Também foram adicionadas juntas homocinéticas no lugar das tradicionais cruzetas e árvore de transmissão (cardã) bipartido, com rolamento central. Em 1985 painel de instrumentos passou a contar com o manômetro de óleo e voltímetro, além do termômetro do líquido de arrefecimento e do marcador do nível de combustível. Dois anos depois o sistema de freios era redimensionado e a direção com assistência hidráulica era oferecida como opcional. 

MUDANÇAS VISUAIS E DE MOTORES

O início dos anos de 1990 viu o Bandeirante receber um refresco visual com a inclusão de uma grade em plástico preto incorporando os faróis principais, que passavam a ser retangulares e assimétricos. O filtro agora era de elemento de papel, em vez do tradicional filtro a óleo, e o sistema de escapamento tinha os pontos de fixação alterados por causa de outro aprimoramento: o motor Mercedes-Benz OM-364, com taxa de compressão e potência mais altas do que o antigo OM-314 (17,3:1 contra 17:1 e 90 cv líquidos contra 85 cv). 

Em 1993 era introduzido o câmbio de cinco marchas, com quarta direta (relação 1:1) e a quinta funcionando como sobremarcha. Essa combinação de transmissão melhorava o consumo de combustível, menor ruído interno e um pequeno ganho de velocidade final. Já o tanque de combustível passou dos 50 para 63 litros; a direção assistida tornou-se equipamento de série, com amortecedor de direção, além de barras estabilizadoras na frente e na traseira. 

Uma grande novidade foi apresentada na linha 1994: o Bandeirante voltava a usar o trem de força mais moderno e da casa, era o Toyota 14B, importado do Japão, que priorizava a potência em rotações mais altas: 96 cv a 3.400 rpm, contra 90 cv a 2.800 rpm do OM-364 da Mercedes. Melhorava o desempenho na estrada, podendo-se manter velocidades em torno de 110 km/h sem problemas, mas não havia a mesma força do motor Mercedes em baixas rotações. Outra boa notícia finalmente era a chegada dos freios a disco nas rodas dianteiras. 

Com os utilitários tornando-se cada vez mais urbanos, em 1996 o Bandeirante ganhou uma série de itens de conforto. Internamente havia a opção de conta-giros, relógio de horas, ar-condicionado e rádio AM/FM. Os bancos passaram a ser revestidos em tecido, sendo que o encosto do motorista era do tipo rebatido. Externamente o visual era incrementado pelas rodas de liga-leve, faróis de neblina e quebra-mato. Para quem quisesse utilizar o fora de estrada na lama a roda livre ganhava o sistema manual, gancho do reboque do tipo “G”, mais reforçado e incorporado ao chassis, além dos pneus tipo todo terreno.

Em outubro de 1999, o Bandeirante atingia a marca de 100 mil unidades produzidas, porém devido às novas normas de emissões implementadas no Brasil o motor 14B não atendia os novos limites e teria que ser substituído; todavia, a Toyota não encontrou uma solução viável. 

O veterano Bandeirante que já contava com quase 42 anos de produção, porém, não sobreviveria por muito mais tempo: em novembro de 2001 os últimos jipes deixaram a linha de montagem, após um total de 103.750 unidades fabricados. Com o fim da produção do Bandeirante a linha de montagem de São Bernardo do Campo foi desativada, ficando a unidade restrita à fabricação de peças e componentes para o Corolla e o Etios, fabricados no Brasil, a picape média Hilux, feita na Argentina, além de abastecer as unidades da Toyota nos Estados Unidos. 

JIPE CONSERVADO

Sendo feito para o trabalho e produzidas pouco mais de 100 mil unidades durante quatro décadas, encontrar um Toyota Bandeirante original e em bom estado de conservação requer um trabalho de certa paciência. Ao pesquisar pela internet hoje já é possível “garimpar” alguns modelos com um bom índice de originalidade. 

Felizmente nós Do Fundo do Baú encontramos um exemplar do Toyota Bandeirante, ano 1985, na cidade de Bauru (SP),  em ótimo estado de conservação. Trata-se do modelo de chassi longo identificado pelo código OJ50LV B, na bonita combinação azul com capota branca, oferecida a partir desse ano. Outros detalhes que foram apresentados nos modelos 1985 são as maçanetas das portas embutidas. Internamente já traz o painel de instrumentos redesenhado, além das laterais de portas e parte superior do painel acolchoados.  

O motor que equipa o modelo das fotos é o Mercedes-Benz OM-314, com potência de 85 cv a 2.800 rpm e torque máximo de 26 m.kgf a 1.800 rpm. É um conjunto que prima pela longa vida útil. Em testes de época o Toyota Bandeirante alcançava velocidade máxima de 106 km/h e fazia de 0 a 100 km/h em 29 segundos.