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Fusca “Itamar, a inesperada “ressureição” de um modelo criado a pedido de um presidente da República


Apelidado de Itamar, a curiosa série do Fusca contribuiu para a criação do programa do carro popular em 1993

Por: Anderson Nunes - 25 de março de 2020

O ano era 1986 e a história do Fusca no Brasil terminava com dois recordes, aliás nenhuma surpresa em relação a ele, que obteve todos os feitos possíveis até aquela data: mais de três milhões de unidades produzidas durante 27 anos. Entretanto quem poderia imaginar que um automóvel idealizado na década de 1930 e fabricado no Brasil entre 1959 e 1986 pudesse retornar à linha de montagem em plena década de 1990.

Pois bem, coube ao Fusca justamente tal feito, ao regressar em 23 de agosto de 1993 tendo como protagonista desse retorno o então presidente da república Itamar Franco. A volta do Fusca ao mercado nacional só foi possível graças ao Protocolo de Intenções firmado em 04 de fevereiro de 1993 com o Governo Federal, que incluíram compromissos de investimentos da então Autolatina na ordem de 30 milhões de dólares e que proporcionaria a geração de 800 novos empregos. O preço final do veículo foi fixado em 7.200 dólares, que representava na ocasião cerca de 750 mil Cruzeiros reais. Nesse valor estavam incluídos 0,1% do IPI, 2,26% do Finsocial do fabricante e 2,65% do Finsocial do revendedor. Já o governo estadual se comprometeu a equiparar a taxação do ICMS em 12%.  

O “besouro” voltou praticamente igual a quando havia deixado a linha de produção, sete anos antes, exceto por pequenas evoluções técnicas para adequá-lo às novas leis de segurança e de emissões de poluentes. No material de divulgação a Volkswagen frisava que havia incorporado importantes aperfeiçoamentos no carro, porém sem descaracterizá-lo já que o modelo era “considerado uma escultura da indústria automobilística mundial”.

Ao aceitar a sugestão do presidente Itamar Franco e assumir o desafio de retomar a produção do Fusca, uma iniciativa inédita na história da indústria automobilística mundial, a Volkswagen precisou realizar uma verdadeira batalha hercúlea para refazer a linha de produção do modelo, pois boa parte do ferramental havia sido vendida aos fabricantes de autopeças que abasteciam o mercado de peças de reposição do Fusca.

A linha de montagem remontada especialmente para a fabricação do Fusca ocupava duas alas da planta de Anchieta, em São Bernardo do Campo (SP), e contava com cerca de oito mil metros quadrados. Para maximizar custos de produção da quase artesanal linha de montagem de 1986, o local passou por uma reformulação completa e tarefas, que antes tinham que ser realizadas manualmente, foram automatizadas para facilitar a produção e dar mais segurança aos colaboradores. Com essas mudanças estruturais a Volks estava apta a fabricar 100 Fuscas/dia ou 20 mil modelos/ano.

Próximo desafio ficou a cargo do departamento de marketing que tinha em mãos um “case” único, diferente todos os outros lançamentos feitos pela Volkswagen ou pelas demais fabricantes de automóveis. As pesquisas feitas indicaram que diferente do passado, quando o Fusca havia sido o primeiro carro de muitos brasileiros, agora o modelo seria o segundou ou até mesmo o terceiro veículo da família, para uso rural ou urbano. Também havia empresas interessadas em incorporar o Fusca em suas frotas devido à robustez e baixa manutenção. O fato é, assim que a lista de pedidos nas concessionárias foi liberada a Volkswagen contabilizou mais de 10 mil nomes. 

Já as companhas publicitárias buscavam frisar de forma bem humorada as conhecidas e aprovadas qualidades do modelo como economia, manutenção barata, simplicidade. Textos como: “Sorria, ele voltou”, “De 0 a 100 km/h em tempo suficiente”, ou ainda: “Confirmado: existe reencarnação” e por fim: “Ué, a tendência não são as linhas arredondas?” foram algumas que marcaram essa fase de divulgação.   

FUSCA “MODERNIZADO”

O retorno do Fusca sob o codinome “Itamar”, como ficou mais conhecido, era do ponto de vista técnico, o mesmo modelo de 1986, ou seja, mantinha as principais características que o transformaram no maior símbolo da industrialização do país. As qualidades, no entanto, já conhecidas somaram-se a outras que o tornaram adequado às exigências vigentes a tocantes como segurança veicular e de meio ambiente. 

Um dos questionamentos mais recorrentes era saber se o Fusca, um projeto dos anos 30, estava apto a atender às normas brasileiras de impacto veicular. Para sanar qualquer dúvida, a Volkswagen submeteu o modelo a rigorosos testes de colisão frontal – conhecidos como crash-test -, que na época correspondia ao impacto de um automóvel a 100 km/h contra a traseira de um veiculo parado. O modelo cumpriu o teste rigorosamente dentro do padrão especificado. Aliás, como curiosidade o Fusca, foi em 1970, o primeiro carro nacional a passar pelo teste de impacto frontal. 

Outros aprimoramentos incluíam sistema de freios hidráulicos de duplo circuito (com discos na dianteira e tambor na traseira), pneus radiais sem câmara nas medidas 165 R15, barra estabilizadora dianteira e traseira, além da novidade do para-brisa laminado (que produz menos estilhaço comparado ao vidro temperado).  

Internamente, o Fusca Itamar ganhou bancos dianteiros com estruturas reforçadas, presos de maneira melhor ao assoalho, para receber a ancoragem dos cintos de segurança de três pontos autorretrateis. Comparado ao modelo de 1986, os bancos passaram a recuar 2 centímetros a mais, além de ganharem forração com novo tecido de baixa inflamabilidade. O espelho retrovisor interno desprendia-se em caso de colisão frontal. E por fim, fechaduras e dobradiças de alta resistência passaram a compor um sistema de reforço que incluía ainda sistema de trava dupla no capô do porta-malas, que evitava a abertura acidental caso o veículo estivesse em movimento. 

Os aprimoramentos na parte construtiva também foram feitas, agora o chassi era pintado junto com a carroceria, o que proporcionava uma melhor qualidade e durabilidade do conjunto (antes esse processo era feito separado). Além disso, o Fusca ganhou chapas de aço galvanizadas em dupla face nas portas, estribos e tampa do porta-malas. Feltros fenólicos, impregnados com uma espécie de pixe, garantiam um melhor isolamento termoacústico e substituíram os isolantes de fibras vegetais utilizados no modelo de 1986. 

MECÂNICA APERFEIÇOADA

O conhecido motor boxer de quatro cilindros refrigerado a ar de 1.584 cm³ havia sido todo recalibrado pela engenharia da Volkswagen que tinha como desafio adequá-lo às novas normas de emissão de poluentes. Para isso foi instalado um catalisador cerâmico de três vias, adaptação que levou a uma importante alteração no sistema de escapamento com dutos de aço inoxidável, que passou a contar com apenas uma saída simples e o silenciador sendo posicionado abaixo do para-lama esquerdo.  

Mesmo com a adoção do catalisador a potência manteve-se no mesmo patamar que o modelo anterior. Dotado de dois carburadores de corpo simples de 32 mm o trem de força fornecia 58 cv de potência a 4.300 rpm e torque de 11 m.kgf a 2.800 rpm. Inicialmente o besouro foi oferecido somente com motor movido a álcool, a opção a gasolina chegou em setembro de 1993. Os ajustes feitos tornaram o conjunto mais silencioso e de melhor desempenho, agora o Fusca era capaz de acelerar de 0 a 100 km/h em 14,5 segundos e atingir velocidade máxima de até 140 km/h. 

Outra novidade foi a instalação de uma nova bomba de combustível, de maior pressão e capacidade de vazão, permitindo partidas mais rápidas. No sistema elétrico, o modelo passou a ser equipado com velas mais potentes, alternador e bateria com maior capacidade. O platinado ou condensador foram eliminados em favor da ignição eletrônica. Também foi incluído no distribuidor um sensor Hall, que por intermédio de uma unidade central de comando definia o momento certo do disparo da centelha de cada vela para cada um dos quatro cilindros. 

Na dupla carburação foi desenvolvida uma nova relação ar/combustível com relação de marcha lenta mais fácil para ajuste. Outro detalhe foi a presença de dois tubos prontos para receberem equipamento de análise e leitura de CO (monóxido de carbono) para regulagem e checagem de gases emitidos antes de passarem pelo catalisador. O novo Fusca também recebeu um sistema de controle de gases do cárter, com uma válvula que regulava a pressão no interior do compartimento de óleo, aumentando a durabilidade do motor e do catalisador. 

NOVAS CORES

Visualmente, o Fusca Itamar foi lançando uma grande variedade de opões de cores. O catálogo contava com três opções cores sólidas (branco Star, bege Arena e azul Saturno), duas especiais (vermelho Sport e preto Universal) e outras três metálicas (prata Lunar, bege Athenas e verde Pinus). Detalhes como os antigos frisos laterais cromados foram substituídos por fitas autocolantes em duas cores, bem como o novo e colorido logotipo na tampa do motor. O pacote estético era finalizado pelos para-choques pintados na mesma cor do carro, sendo que curiosamente os cromados foram mantidos nos aros dos faróis e nas capas dos piscas. 

Havia dois pacotes de opcionais: o primeiro contemplava relógio analógico, volante espumado de 2 raios largos, buzina dupla, porta-objetos nas portas, faixa em carpete nas laterais de portas, tapetes em carpete, protetor de borracha nos para-choques e pasmem espelho retrovisor externo do lado direito. Já o segundo pacote acrescia antiembaçante, vidros verdes, janelas laterais basculantes, lanternas traseiras fumê e rádio AM/FM estéreo digital com 2 canais, code e  alto-falantes.

Para o retorno do Fusca a Volkswagen havia planejado uma produção de 50 mil unidades durante três anos sendo que propósito foi praticamente atingido, com 47.700 unidades comercializadas. A derradeira história do Fusca Itamar chegou ao fim em 1996 com despedida definitiva do modelo, porém antes a Volkswagen fez uma série comemorativa do modelo batizado de Série Ouro, com tiragem limita a 1.500 unidades e vamos em breve contar a história dela aqui nas páginas Do Fundo do Baú.

ITAMAR MULTADO

“Até o desconforto do Fusca tem seu charme”. Foi com esses dizeres que o empresário Rodrigo Sanchez Alvarez, 38 anos, falou com alegria de seu Volkswagen Fusca 1994, azul Saturno, cor esta de lançamento e que também estava presente no modelo conversível que conduziu o então presidente da República Itamar Franco, durante o relançamento do besouro naquele longínquo agosto de 1993. 

O Fusca que ilustra nossa reportagem chegou até o empresário quando soube que um amigo estava vendendo. “Esse Fusca chegou até as minhas mãos quando um amigo que precisava levantar um dinheiro me ofereceu para comprá-lo. Resolvi adquiri-lo mais para ajudá-lo do que por gosto, mas ao longo do tempo, o carro, que tem seu charme, me conquistou, hoje o levo para eventos e até já fiz viagens longas com ele, que são sempre uma diversão”, diz sorridente. 

Com pouco mais de 21 mil km rodados o Fusca Itamar guarda sua originalidade em detalhes como os coloridos adesivos preto/amarelo que percorrem as laterais, o emblema Fusca fixado na tampa do motor e o caprichado interior com bancos revestidos em tecido claro batizados pela Volks de Malharia Itamaracá. O motor que equipa o modelo é o 1,6 litro boxer a gasolina de 53 cv e 10,7 m.kgf.  

Rodrigo Sanchez afirma que fica impressionado de como o Fusca ainda chama atenção nas ruas. “Por onde eu ando, vejo as pessoas apontando para o carro, talvez seja pela cor pouco comum para os dias atuais e isso realmente chama muita atenção”, explica.

O proprietário nos contou um fato curioso que ocorreu com ele a bordo do Fusca durante uma viagem até a cidade de Caraguatatuba, litoral norte do Estado de São Paulo, durante um passeio entre amigos e seus carros antigos. “Fiz uma viagem com o Fusca para Caraguatatuba, com amigos e seus carros antigos, fui uma diversão, nostalgia total. Na volta caiu uma chuva que eu não me lembro de ter pego na vida, quebra-vento aberto e pegamos bora a estrada. Depois de 2 semanas, chega em minha casa uma multa excesso de velocidade na Rodovia dos Tamoios”, confessou Sanchez.