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Dodge D-100 Stardard, caminhonete voltada ao trabalho que tinha um desempenho de um veículo esportivo


Dona de um soberbo V8 de 198 cv, a picape da Chrysler tinha motor de sobra, sua maior qualidade e também seu grande inimigo

Por: Anderson Nunes / Fotos: José Roberto Bressan - 05 de novembro de 2022

A Chrysler Corporation foi a última das três grandes empresas automobilísticas dos Estados Unidos (leia-se General Motors e Ford), a comercializar seus veículos em solo brasileiro, isso no início dos anos de 1930. Como ocorreu com suas compatriotas durante esse período, diversos modelos da Chrsyler, Dodge, De Soto e Plymouth foram importados em regime de CKD, pela carioca Chrysbraz, firma controlada pelos principais acionistas da Mesbla, e posteriormente, até meados da década de 50, também pela Brasmotor (em São Bernardo do Campo, SP, a partir de 1947), pela Cipan (Rio de Janeiro, RJ) e Cirei (Porto Alegre, RS).

Coube à Brasmotor – a companhia mais bem estrutura daquele tempo – montar mais de 3.500 carros e quase 12 mil veículos comerciais em um período de oito anos. Mesmo com a boa receptividade que seus produtos alcançaram perante aos consumidores brasileiros, além do advento do GEIA e dos incentivos do governo brasileiro à implantação da indústria automotiva no país, a matriz nos Estados Unidos não se interessou nesse primeiro momento a cravar uma unidade conjunta, encaminhada em 1956 pela Brasmotor, que visava à produção local de 6.000 unidades/ano do Plymouth Savoy, com 65% de nacionalização.

SEGUIR A CARTILHA

A Chrysler decidiu fincar os pés no Brasil em outubro de 1966, foi quando a empresa estadunidense adquiriu o controle acionário da francesa Simca, que operava no país desde 1958. Tal movimento fazia parte de um plano de expansão internacional da Chrysler. A incorporação oficial do fabricante francês entretanto, só se concretizou em 30 de novembro de 1967, quando a totalidade das ações da Simca (Sociedade Industrial de Mecânica e Carroceria Automotiva) passaram para as mãos da Chrysler Internacional S/A, criando a Chrysler do Brasil S.A.

Em um primeiro momento, foi mantida a produção dos modelos Regente e Esplanada, que passaram por um profundo processo de revisão técnica, com melhoria do controle de qualidade e elevação da garantia para inéditos 36.000 km ou dois anos de uso. A Chrysler colheu bons frutos com a ex-dupla da Simca modernizada, vale ressaltar a boa resposta de mercado (as vendas do primeiro trimestre de 1968 cresceram 220% com relação ao mesmo período do ano anterior), o que possibilitou a Chrysler agilizar o lançamento do seu primeiro automóvel – o Dart, em outubro de 1969.

Para seguir a cartilha, aqui vale ressaltar uma curiosidade: os primeiros produtos Dodge brasileiros – marca escolhida para representar o grupo no país – foram, porém do segmento de carga: uma família de caminhões, apresentada no VI Salão do Automóvel, em novembro de 1968.

DODGES PARA O TRABALHO

Para produzir sua família de veículos comerciais a Chrysler adquiriu as instalações da International Havester, fabricante de caminhões que começou a atuar no Brasil em maio de 1926, e que havia encerrado suas atividades em abril de 1965. Nessa unidade, localizada hoje no centro da cidade de Santo André, na Grande São Paulo, a Chrysler passou a fundir e a montar os motores V8, além de seus dois modelos de caminhões e uma picape.

O primeiro modelo a deixar a linha de montagem foi o caminhão médio Dodge D-700, em maio de 1969. Três meses depois fora apresentado o leve D-400 (primeiro concorrente do Ford F-350), ambos podiam receber o trem de força Chrysler V8 de 5,2 litros (318 pol³) da Família LA ou diesel da fabricante Perkins. A Chrysler foi uma das primeiras fabricantes instaladas no Brasil a oferecer motores movidos a óleo diesel em seus caminhões já no início de 1970.

Em novembro de 1969, era fechado o cronograma de lançamento com a introdução da picape D-100. A linha de veículos comerciais Dodge oferecia garantia de seis meses ou 12.000 km, a maior do segmento no país.

ATUALIZADA AO SIMILAR NORTE-AMERICANO

Ao ser lançada no Brasil, a picape Dodge D-100 correspondia ao similar norte-americano da segunda geração, que em 1968 havia passado por uma leve reformulação visual. Desse modo a Chrysler do Brasil oferecia produtos visualmente atualizados em relação aos que ela fabricava nos Estados Unidos, um feito raro para um fabricante recém-instalado no país.

A Dodge D-100 chegou ao mercado tendo como concorrentes modelos como Ford F-100 e a Chevrolet C-14, e correndo por fora, havia a Toyota Bandeirante TB81L e a VW Kombi Pick-up, essas duas últimas de concepção mecânica e construtiva totalmente diferente do trio de marcas norte-americanas. A Toyota era equipada com um motor a diesel de origem Mercedes-Benz e tração 4x2 e 4x4, já a Kombi tinha motor do tipo boxer, refrigerado a ar e tração traseira.

O visual seguia a cartilha de época com predomínio de linhas retas e fortes vincos nas laterais. A cabine tinha colunas estreitas, ampla área envidraçada, para-brisa curvo que favorecia a visibilidade. O modelo já contava com dois retrovisores externos, um item de segurança que colaborava para a visibilidade quando carregada. Na dianteira a grade do radiador continha oito tomadas de ar retangulares, dispostas em duas fileiras horizontais, ladeadas pelas luzes de seta posicionadas na vertical, além dos dois faróis redondos. Nas laterais dos para-lamas a plaqueta de identificação Dodge 100.

O capô trazia o nome DODGE grafado em letras garrafais, os para-choques eram confeccionados em aço estampado. Por fim na traseira, as lanternas eram posicionadas na vertical com lentes vermelhas de formato ovalado. A tampa da caçamba trazia uma discreta maçaneta embutida e a designação Dodge, estampada na lataria.

A Dodge D-100 tinha dimensões equivalentes às das concorrentes Ford e Chevrolet, media 4,86 metros de comprimento, 2,01 metros de largura, 1,75 de altura e 2,90 metros de distância entre-eixos. A caçamba apelidada pela Chrysler de “Stilesyde” transportava 709 kg de carga, com peso da era de 1.700 kg.

Internamente o acabamento era bem simples, o painel continha cinco mostradores redondos, sendo o velocímetro posicionado ao centro e de maior dimensão com marcação até 160 km/h, os demais indicadores eram o marcador do nível de combustível, temperatura do líquido de arrefecimento, manômetro de óleo e amperímetro, todos envolvidos em uma moldura cromada. Atrás do encosto do banco que era inteiriço, estava o tanque de combustível de 68 litros. O acabamento do painel e volante de três raios recebiam pintura em preto na versão standard.

MUITO MOTOR, POUCO FREIO

Para amortizar custos e facilitar o intercâmbio de peças, as D-100 produzidas no Brasil sempre tiveram a mesma configuração mecânica empregada nos caminhões e no Dart, ou seja, o motor V8 de 5,2 litros, diâmetro dos cilindros x curso dos pistões de 99,3 x 84,1 mm, taxa de compressão de 7,5:1, alimentado por carburador de corpo duplo DFV, potência 198 cv (brutos) a 4.400 rpm e torque de 41,5 m.kgf a 2.400 rpm. Acoplado ao trem de força estava o câmbio Clark 150T, manual de três marchas sincronizadas com alavanca posicionada na coluna de direção, a tração era nas rodas traseiras.

Suspensão dianteira era batizada de “Cushion Beam” trazia eixo rígido, amortecedores e feixes de mola semielípticas longitudinais, estas também empregadas na suspensão traseira. O sistema de freio era hidráulico e a tambor nas quatro rodas, que sempre foi o calcanhar de Aquiles do modelo, pois se sobrava motor, todavia o arcaico sistema de frenagem não dava conta de tanta potência. As rodas de aço estampado aro 16 polegadas eram cobertas com pequenas calotas centrais, e os pneus diagonais de medida 6,50 x 16.

Na linha 1970 a D-100 brasileira ganhou a opção do acabamento Luxo. Essa segunda variante tinha como diferenciais em relação ao modelo Standard para-choques, grade dianteira, calota e frisos laterais cromados. Internamente ganhava volante de três raios com aro da buzina cromado, o mesmo do Dodge Dart, parte superior do painel todo revestido em material emborrachado, além de rádio e acendedor de cigarros. A paleta de cores compreendia somente cores sólidas (não havia opções de tons metálicos), azul, amarelo, bege, branco, verde e vermelho.

Embora a Chrysler colhesse bons frutos com o seu Dart, além de seus derivados de luxo e esportivos, no início dos de 1970, o mesmo não correspondia a sua divisão de veículos comercias. Nesse segmento a companhia não conseguiu se firmar no mercado e jamais alcançou fatia significativa. Contribuíram para isso a sede do V8, que em média rondava 2,5 km/l, algo que ficou mais crítico quando eclodiu a primeira crise do petróleo, em 1973.

Outro fator em que a D-100 deixava a desejar perante as concorrentes era somente ter duas opções de versões, além do acabamento espartano. Boa parte das vendas acabou sendo destinada a frotistas, além do serviço público, depois de utilizadas ao máximo eram sucateadas. O melhor ano de vendas cheias da D-100 foi em 1971, quando foram emplacadas 559 unidades.

Para tentar reverter essa situação a Chrysler exibiu no IX Salão do Automóvel de 1974 uma renovação estética e interna na picape D-100. Visualmente, a grade frontal era similar ao adotado no modelo norte-americanos de 1970. A plaqueta com o nome Dodge adotou o padrão da linha de automóveis, de pequenas dimensões. E por fim, a pintura podia ser em dois tons, sendo a capota pintada na cor branca.

Na parte mecânica era adicionada uma nova relação no diferencial traseiro 3,53:1 que proporcionava maior economia de combustível, arrancadas mais suaves e uma maior vida útil do motor. Para dar um ar mais sofisticado ao visual foram adotados pneus de faixa branca. Já as calotas passaram a cobrir toda a roda que agora eram aro 15 polegadas. Internamente na versão Luxo o painel recebia pintura em tom cinza acetinado, além de os bancos revestidos em tecido.

Porém, o mercado em crise e a economia forçada de combustível fizeram a Chrysler abortar o projeto de melhora da sua linha de picapes D-100 no Brasil. Em meados de 1975 a Chrysler jogava a toalha e abandonava o segmento de picapes, ainda mantendo-se no segmento de caminhões até a sua despedida em 1984, quando os últimos modelos deixaram a linha de montagem já no comando da Volkswagen. No total foram produzidos 2.621 unidades da D-100 durante seis anos. Hoje são cobiçadas por colecionadores com direito a selo de raridade.

ADMIRADOR DE PICAPES

Já faz alguns anos que as caminhonetes deixaram de ser simplesmente um veículo voltado ao trabalho para transformarem-se em carros de passeio. O mesmo vale para acervo de coleção. Alguns colecionadores tem dado maior atenção a esse tipo de veículo e os incorporado as suas coleções, esse é o caso do produtor rural Luiz Aparecido Fregolente, 61 anos, da cidade de Barra Bonita (SP).

A paixão pelos veículos começou ainda na infância, já que na sua família passaram diversos modelos, um em especial um que marcou a sua vida nesse período. Trata-se de um Ford Custom ano 1949, o produtor rural fez questão de encontrar um modelo igual e do mesmo ano, o comprou e atualmente passava por um processo de restauração.

Atualmente sua coleção conta mais de 20 unidades, entre carros e camionetes antigas. Para citar alguns: Ford F3 1949, Ford Custom 1949, Chevrolet Pickup 1951, Chevrolet Sedam 1950, Ford F100 1962, Chevrolet Brasil 1963, Simca Tufão1966, Rural 1974, Jeep 1966, Pickup Willys 1969, Chevrolet Veraneio 1973, duas unidades de Puma, duas unidades de SP2, Corcel II 1978, Chevrolet Calibra 1995, dentre outros.

A Dodge D-100 1971 que ilustra a reportagem é uma rara remanescente das 2.167 unidades produzidas. Foi adquirida 0km por um órgão público da cidade de Franca, SP, depois foi vendida para morador da mesma cidade e repassada anos atrás para um colecionador de Brasília, DF. “O colecionador de Brasília assim que a comprou, enviou para uma empresa especializada em restauração de veículos antigos na própria cidade de Franca. Vale ressaltar que a D-100 mantém em seu porta-luvas o manual original do proprietário”, diz Fregolente.

Segundo o proprietário, das poucas mais de 2 mil unidades produzidas, estima-se ter menos de 100 unidades cadastradas nos Detrans e em torno de 10 mantém todas as características originais. Esta D-100 possui placa preta de coleção e seu proprietário é membro dos Clubes de Veículos Antigos das cidades de Botucatu, Bauru e do SP2.

A Dodge D-100 participou do Encontro de Águas de Lindóia de 2019, foi um das atrações do evento. “A Dodge D-100 participou do evento de carros antigos de Águas de Lindóia, onde foi muito elogiada por colecionadores de diversos estados brasileiros”. Diz sorridente o colecionador.

Com a intenção de diminuir a coleção, o proprietário Luiz Aparecido Fregolente disponibilizou a Dodge D-100, e outros modelos que possui para o corretor e colecionador José Roberto Bressan, da Bressan Antigos (Facebook), viabilizar suas as vendas.