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Chevrolet Astra GLS, um belga naturalizado brasileiro que chegou disposto a enfrentar os alemães e italianos


Sucesso na Europa, a Chevrolet do Brasil trouxe um dos seus maiores trunfos no segmento de médios, mas foi pega de surpresa com a elevação do IPI

Por: Anderson Nunes - 10 de agosto de 2015

Importado da Bélgica, o Astra GLS foi o primeiro modelo hatchda General Motors a oferecer a carroceria de quatro portas

Em abril de 1976, um duro golpe era dado ao consumidor brasileiro. O então governo militar decide em uma canetada proibir a importações sob o decreto-lei 1.455/1976, publicado no chamado Anexo C do Comunicado do Cacex. Entre os bens de consumo a lista incluía os automóveis. 

Maçanetas embutidas foram uma marca registrada dos Chevrolet dos anos 90 / No mercado brasileiro o Astra foi oferecido somente na versão GLS

Com a chegada de Fernando Collor de Mello à presidência da República e seu plano de modernizar a indústria nacional, ele eterniza a sua famosa declaração de que os carros brasileiros eram carroças. Em 9 de maio de 1990, por meio de uma medida provisória Collor elimina o Anexo C, permitindo a importação de automóveis, acirrando um mercado importante que dormia em berço esplêndido. Só para termos ideia da dimensão o Brasil havia vendido em 1989, “apenas” 760 mil veículos e contava apenas com quatro grandes fabricantes. A Autolatina (desastrada união de Volkswagen e Ford) detinha 55% do mercado, seguida por GM (28%) e Fiat (10%).

A mudança repentina pegou a indústria nacional de surpresa e elas chiaram com a chegada de novos concorrentes. O governo decide então colocar cotas de alíquotas decrescentes conforme os fabricantes nacionais fossem se modernizando. A princípio o valor que era de 130%, cai para 85% favorecendo os carros mais luxuosos que vieram primeiro, pois a alíquota alta era desfavorável para modelos mais baratos, que não teriam como competir com os nacionais.

O cuidado estético e aerodinâmico era estendido aos retrovisores / Faróis afilados formam um conjunto harmonioso na dianteira

Em junho de 1993, a alíquota caiu de 85% para 35%. Foi o que permitiu a chegada de modelos compactos, como o Citroën AX e o Peugeot 205. Também desembarcaram dois carros que pediriam residência permanente por aqui, o Honda Civic e o Toyota Corolla, futuros campeões de vendas entre os sedãs médios.

Quem soube aproveitar muito bem a alíquota menor foi a Fiat. Em agosto de 1993, o Fiat Tipo, produzido na Itália e com preço de 17 mil dólares aporta com tudo para brigar com os nacionais, chegando a vender inclusive mais que o Volkswagen Gol durante alguns meses. Com a queda abrupta da alíquota para 20% no fim de 1994, as montadoras instaladas no Brasil são as mais beneficiadas. Com o Real em paridade com Dólar, era mais fácil importar do que produzir no país. Diante disso a Volkswagen decide trazer do México o Golf em sua versão GTI para disputar o filão dos modelos médios, já que a Fiat estava nadando de braçada nesse segmento.  

CHEVROLET TRAZ O ASTRA

A Chevrolet, que no início da abertura das importações trouxe algumas unidades da minivan Lumina e do sedã sueco Saab 9000 CD, havia pouco tempo regressado ao mercado de importados trazendo o cupê alemão Calibra. Assistindo o movimento dos concorrentes no segmento dos médios decidiu trazer da sua filial europeia Opel o modelo Astra F lançado no salão de Frankfurt de 1991. No velho mundo a família Astra dispunha de uma ampla gama de modelos e carrocerias como hatch de 3 e 5 portas, sedã e perua de 4 portas, van e conversível.

Grandes lanternas horizontais, além de conferir segurança, eram importadas da Alemanha / Motor 2.0, uma exclusividade do Astra importado para o Brasil

Para o Brasil foi escolhida a versão hatch de 5 portas, era a primeira vez que a Chevrolet ofertava um modelo hatch nessa configuração no país. Ficou acertado que a subsidiária da Opel na Bélgica seria responsável pelo envio dos carros. Para tanto ainda em 1994, 3 mil motores de 2 litros da Família II (C20NE) saíram da unidade da General Motors do Brasil, em São José dos Campos rumo a Antuérpia. O primeiro lote de 3 mil Chevrolet Astra começou a ser vendido em janeiro de 1995.

Na tampa de combustível o Astra se mostrava um poliglota, com informações em alemão e inglês / Quatro portas e um grande acesso ao porta-malas, acessibilidade era a palavra de ordem no hatch belga

A meta da General Motors era ambiciosa com o Astra, pois a empresa pretendia vender somente em 1995, 80 mil unidades. Para que o Astra pudesse ter um preço competitivo de R$ 17.900, a marca da gravata reposicionou o Kadett dentro da sua gama de médios retirando de linha as versões GSI, o conversível e o GLS, que brigava em preço com Astra. Com todos os opcionais o Astra chegava a R$ 20.800, um valor ainda competitivo diante do Fiat Tipo SLX 2.0 que era vendido por pouco mais de R$ 18 mil e bastante distante dos R$ 25.800 cobrados pela Volkswagen pelo Logus GLSi. Como extra a Chevrolet oferecia 2 anos de garantia. 

A plaqueta de identificação revela a origem belga do Astra da geração F / As rodas de aço estampado cobertas com calotas; não havia opção de alumínio

O Astra chegou firme para disputar o bolso do consumidor na época. Além do valor convidativo a Chevrolet tratou de recheá-lo bem, dispondo de itens como direção com assistência hidráulica; cintos dianteiros e laterais traseiros com ajuste de altura e pré-tensionadores nos cintos da frente; barra antiinvasão no interior das portas e alarme antifurto acionado pela fechadura. Por R$ 1.700 podia se adquirir o ar-condicionado com extensão para o porta-luvas. Outros R$ 1.200 concediam airbag duplo e sistema de som com rádio toca-fitas com mostrador separado. Um porém, era não oferecer o sistema de freios ABS e devido a uma economia de escala os modelos equipados com air bag traziam o símbolo da Opel impresso no volante. 

Cintos dianteiros com pré-tensionador eram um item nada comum aos carros brasileiros naquele tempo / No console central os comandos de ar-condicionado, rádio e mostradores de temperatura externa, estação de rádio ehoras

Em termos estéticos era clara a evolução perante o Kadett, que havia sido lançado em 1984 e chegado ao Brasil em abril de 1989. Quando foi lançado no início dos anos de 1980, o Kadett não agradou de imediato devido as suas linhas futuristas, logo os estilistas da Opel trataram de dar um visual mais contemporâneo ao Astra. O projeto sanou falhas do Kadett como traseira truncada que limitava a visibilidade traseira, além do pouco espaço para os passageiros do banco de trás.

O interior do Astra é espaçoso e agradável; bancos são confortáveisO Astra media 4,05 metros de comprimento e distância entre eixos de 2,51m. Destaque visual ficava por conta da traseira arredonda com uma ampla vigia que sanava a falta de visibilidade. O toque esportivo era dado pelo spoiler fixado na tampa do porta-malas. Na dianteira trazia faróis estreitos, mas faltavam os faróis de longo alcance. Um dado curioso era sobre a grade dianteira, que ao invés da ser do modelo alemão era fabricado na Inglaterra (Vauxhall), já que devido ao tamanho do logotipo da gravatinha da Chevrolet foi impossível fixá-lo na grade do modelo germânico.

Grande trunfo estava mesmo no habitáculo que podia transportar cinco passageiros com conforto, além de uma vasta área envidraçada com a clássica disposição de três vidros laterais que proporcionava um ambiente mais iluminado. Os ocupantes do banco de trás agora tinham mais espaço para os joelhos e a cabeça não raspava no teto, além de contarem também com cintos de três pontos das laterais, mas não contavam sequer com vidros elétricos como opcionais. Já o porta-malas comportava 360 litros ante os 270 litros do Kadett. 

O painel apresenta formas arredondadas e os instrumentos e volante eram os mesmos do VectraO acabamento era bem executado, mas sem ser luxuoso e trazia revestimento em tom claro. À frente do condutor havia um painel praticamente idêntico ao do Vectra, inclusive com os mesmos instrumentos e volante de três raios, que carecia de regulagem de altura, mas compensava pela regulagem de altura do banco do motorista por manivela. Os botões dos vidros elétricos e dos retrovisores ficam junto ao puxador da porta. Como item de segurança comum em países frios o retrovisor do motorista tinha desembaçador. 

DESEMPENHO DE ESPORTIVO

Uma ampla área envidraçada e colunas estreitas proporcionavam uma boa visibilidade ao Astra

Maior atrativo do Astra era seu desempenho, como ficou representado em vários testes feitos por publicações especializadas na época. O motor de 2 litros e de oito válvulas da Família II desenvolvia 116 cv a 5.200 rpm e torque máximo de 17,3 m.kgf a 2.800, acoplado a uma transmissão manual de cinco velocidades. O desempenho agradava até os mais exigentes como ficou claro no teste efetuado pela revista 4Rodas de dezembro de 1994. 

O motor de 2 litros e 116 cv já era um velho conhecido nos Vectra GLS e CD; trazia injeção eletrônica Bosch Motronic M.1.5 / A dianteira recebeu um ótimo tratamento estético, o “V” estilizado em cromado diz que a grade é proveniente dos modelos ingleses Vauxhall

Nos testes o Astra “belga” alcançou velocidade máxima de 184 km/h e acelerou de 0 a 100 km/h em 10s94. Mas foi mesmo nas retomadas de velocidade que o Astra se sobressaiu indo de 40 a 100 km/h em 17s93, superando todos os carros nacionais testados até aquele momento e ficando à frente de modelos esportivos como o BMW M5. Tal feito se deveu ao conjunto mecânico equilibrado e as boas relações de marchas. O peso de 1.075 kg conferia uma boa relação peso/potência na casa de 9,2 kg, a mesma do pequeno Corsa GSi.

O conforto ao rodar também era elogiado pois a suspensão dianteira seguia praticamente o mesmo arranjo de construção do Vectra. Na dianteira independente, McPherson, braço triangular e amortecedores pressurizados. Na traseira o tradicional eixo de torção. Só houve uma ressalva aos tipos de pneus empregados, de medida 175/65R14 montados em rodas de aço cobertas com calotas. A estabilidade ficava um pouco prejudicada pelos pneus estreitos já que eles tinham tendência a dobrar. Havia pouca saída de frente e quando isso acontecia era fácil de corrigir, apontava a publicação. 

Infelizmente no fim de 1995 todos os fabricantes locais foram pegos de surpresa com a abrupta elevação do IPI que saltou dos 20% para 70%. Isso encareceu do dia para a noite inúmeros bens importados, entre eles os automóveis. A General Motors reviu os planos de importação do Astra e naquele ano foi decidido que não o traria mais. Da meta inicial de trazer 80 mil carros, estima-se que vieram pouco mais de 36 mil unidades.

Passado quase 20 anos, hoje em dia é raro encontrar um Astra “belga” em boas condições. Apesar de o modelo adotar o trem de força Made in Brazil, os outros componentes mecânicos e acabamento são importados o que dificulta a manutenção e não é raro vermos em classificados esses Astra como doadores de peças. Mas a lacuna deixada pelo Astra importado duraria pouco, pois a Opel trabalhava na segunda geração do modelo. Ele chegaria na Europa em 1997 e no Brasil no fim de 1998. 

PAIXÃO PELOS OPEL

A atual linha de automóveis oferecida pela Chevrolet do Brasil (Onix, Prisma e Spin) são todos modelos de criação local, ou seja, carros pensados para o consumidor brasileiro. Mas nem sempre foi assim já que em 1968, a General Motors passa a fabricar o Opala no país, cujo o projeto era da sua subsidiária alemã Opel, lá batizado de Rekord. E foi assim durante anos, carros de projeto alemãoOpel “tropicalizados” para o Brasil.

Desde que a Chevrolet parou de fabricar os carros de procedência Opel em terras verdes e amarelas uma legião de fãs contestam tal atitude e não é difícil encontrar pessoas que ainda nos dias atuais cultuam os carros da marca alemã Opel.

O comerciante de automóveis da cidade de São José dos Campos Julio Camargo, 33 anos, é um desses admiradores da marca do relâmpago. “Minha admiração pelos carros da Opel vem desde cedo. Gosto do desenho aerodinâmico e do DNA que a Opel imprime em seus veículos”, explica Camargo.

Traseira de desenho arredondado conferia um ar moderno e contemporâneo / Para um modelo hatch o Astra oferece bons 360 litros em seu porta-malas

Na sua garagem repousam um Kadett GS, Monza Classic “Emerson Fittipaldi”, Opala Diplomata e um Astra GLS “belga”. O comerciante nos contou que estava em busca de um Astra importado já fazia um tempo. Em outubro de 2010, um amigo indicou um Astra vermelho Magma à venda na cidade de São Paulo. “Quando soube do carro precisei ir vê-lo. Chegando ao local indicado não acreditei no estado geral em que se encontrava. O carro era de uma senhora que havia ganhado de presente do marido 0km, havia rodado 70 mil km em 15 anos. Na hora fechei negócio e paguei R$ 10.900,00”, disse com alegria o comerciante.

O Astra foi faturado na concessionária Itacolomy, de São Paulo, em 06 de agosto de 1995. Como opcional havia ar-condicionado. O preço do carro segundo a nota fiscal foi de R$ 23 mil. Um dado interessante emitido na nota fiscal era de que esses Astras provenientes da Bélgica chegavam ao Brasil via o porto de Vitória, no Espírito Santo.

Hoje o veículo está com 20 anos e nunca passou por um restauro. São originais as calotas, faróis da marca Corello e as lanternas traseiras de procedência alemã. O Astra denúncia sua origem belga com adesivos em língua alemã como os que estão fixados na tampa do combustível e filtro de ar. A única alteração efetuada pelo dono foi a troca do painel de ponteiros por outro digital original da marca Opel utilizado em uma versão esportiva do Vectra alemão. 

No mais o Astra “belga” é usado como um veículo de uso diário e o comerciante ressalta como qualidades o motor forte e econômico. Já o ponto negativo é a baixa altura que faz com que o carro raspe o fundo em depressões.