Notícias
Vídeos

Alfa Romeo 164, a obra de arte da casa de Milão que tinha no prazer de dirigir seu maior predicado


Dotado de um conjunto moderno, potente motor V6 e confortável, o Alfa Romeo 164 era uma bela combinação italiana de requinte e esportividade

Por: Anderson Nunes - 20 de outubro de 2016

Os apreciadores e saudosistas dos carros Alfa Romeo estavam em festa naquele longínquo ano de 1990: tudo porque a marca do “coure” esportivo havia anunciado sua volta ao Brasil, quatro anos após ter sido fabricado aqui o último 2300 nacional. O modelo escolhido para seu retorno foi o sedã 164, versão com motor V6 de 3 litros. A Fiat Automóveis ficou responsável por todo processo de comercialização, bem como assistência técnica prestada em sua rede de concessionários. 

O Alfa Romeo 164 trazia desenho de linhas retas e elegantes, o vinco lateral se estendia por toda lateral até as longas lanternas de aspecto futurista
O ilustre modelo foi destaque no estande da Fiat no salão do automóvel daquele ano, mas com a alíquota de importação batendo a casa dos 85%, era um carro para poucos. Custava cerca de 40 mil dólares da Itália (com todos os opcionais), já o preço final no Brasil, devido aos impostos, acabou sendo fixado em 140 mil dólares. Os primeiros 50 Alfa Romeo 164 importado pela Fiat do Brasil chegaram ao porto do Rio de Janeiro ainda em outubro de 1990. Era o primeiro lote de uma série de 1000 carros que a fabricante mineira iria trazer no primeiro ano da liberação das importações de veículos. 

Depois de muito testar o carro a engenharia da Fiat fez duas alterações no 164 para que ele pudesse rodar no Brasil: a primeira foi a troca dos pneus originais Pirelli P4000 na medida 205/65 R15, que foram substituídos por outros pneus Pirelli de perfil alto de fabricação verde amarela na medida 195/60, tudo para garantir a integridade das rodas e suspensão diante das ruas esburacadas e estradas brasileiras. E a segunda mudança foi na programação do sistema de injeção eletrônica Bosch Motronic para que o motor pudesse “digerir” sem problemas o combustível vendido em nossos postos. 

TRAJE ESPORTE FINO

No final dos anos de 1970, a Alfa Romeo procurava uma forma de aumentar suas vendas e a rentabilidade financeira. O sucessor do modelo 6 já estava sendo desenvolvido, porém os custos de um novo projeto eram proibitivos para a Alfa Romeo naquele momento. Em outubro de 1978, Alfa Romeo, Fiat, Lancia e Saab assinaram um acordo conjunto para desenvolver um sedã executivo com base na plataforma compartilhada batizada de Tipo 4. O novo sedã da marca de Milão era uma aposta alta: iria competir com modelos alemães como BMW Série 5 e Mercedes-Benz Classe E. 

O tradicional coração esportivo é uma combinação de requinte com esportividade
Em 1982 é dado início ao projeto batizado de 164. O desenho ficou a cargo do Enrico Fumia, do estúdio Pininfarina. Os testes dinâmicos do futuro Alfa Romeo tiveram início em 1984, com diversos modelos travestidos de Alfa Giulietta servindo de mulas. Cerca de 50 veículos de pré-série foram testados cobrindo mais de 1 milhão de km percorridos e diversos tipos de clima e pavimentação. Em 1986 durante o Salão do Automóvel de Turim a Alfa Romeo apresentou o conceito Vivace, que já apontava em partes o estilo do futuro sedã, entre elas o desenho frontal e a lanterna traseira afilada. 

Potência estampada no logotipo, a miniatura denota a paixão do dono pelo modelo 164
O modelo 164 (o nome do projeto acabou dando denominação ao carro) tornou-se o primeiro Alfa Romeo a beneficiar-se do uso de computadores. Esse recurso propiciou calcular as tensões estruturais que resultaram em um chassi rígido e mais leve. Apesar de compartilhar a mesma plataforma do Lancia Thema, Fiat Croma e Saab 9000, em virtude de ter sido o último a entrar em produção, o 164 apresentava melhorias dinâmicas com novas suspensões, além de um estilo mais próprio. Por exemplo, o Alfa Romeo 164 não compartilhava os painéis de porta lateral com os demais irmãos. A qualidade de construção também havia melhorado com a inclusão de aço galvanizado. 

Lançamento oficial ocorreu no Salão do Automóvel de Frankfurt de 1987.  Era o último Alfa Romeo projetado de forma independente antes da aquisição da empresa pela Fiat, ocorrida no ano anterior. O Alfa 164 era o também o primeiro sedã de grande porte da marca a trazer a tração dianteira, uma heresia aos alfistas mais conservadores. De toda forma a marca do trevo de quatro folhas tinha um modelo de personalidade e era bonito. 

O espaço interior e acabamento de veludo traziam conforto As formas criadas pelo estúdio Pininfarina eram elegantes, com destaque para os vincos laterais que estendiam-se até as longas lanternas que percorriam toda a traseira. Na dianteira os grandes faróis trapezoidais faziam companhia ao “coure” esportivo cravado no capô. Media 4,55 metros de comprimento, 1,76 m de largura e tinha distância entre-eixos de 2,66. O coeficiente de arrasto aerodinâmico era de Cx de 0,30, índice relativamente baixo até para os padrões atuais.   

O interior refletia o refinamento característico da marca. Destaque ficava por conta do volante de três raios com regulagem de altura e profundida. O painel de instrumentos completo era típico da marca, com mostradores bem visíveis e incluía conta-giros, velocímetro, voltímetro e manômetro de pressão de óleo, além de luzes-espia que indicavam baixo nível de fluidos, portas abertas. O console central de linhas retas possuia inúmeros botões, com destaque para o ar-condicionado que podia manter a temperatura escolhida entre 17 e 28 graus de forma independente para motorista e passageiro. O acabamento esmerado trazia materiais de qualidade, os bancos de veludo na cor cinza eram dotados de regulagens elétricas; até mesmo o assento traseiro podia se mover na posição longitudinal de forma elétrica. O vidro traseiro contava com persiana retrátil para barrar a luz do sol. Curiosa era a bolsa para levar o ski que ficava armazenada no interior do descansa braço. 

Painel de instrumentos completo e volante com regulagem de altura e distância

Inicialmente havia quatro motores disponíveis e todos ultrapassavam a barreira dos 200 km/h. O primeiro, um quatro cilindros a gasolina de 1962 cm³ com potência de 146 cv e torque 19 m.kgfm. A segunda unidade 1995 cm³ com duplo comando de válvulas e turbo foi desenhada por Aurélio Lampredi e serviu outros modelos como os Lancia, além de equipar o nosso Tempra Turbo nos anos 90. Nesta configuração entregava 175 cv e torque de 27 m.kgf. Com overboost entregava temporariamente 29 m.kgf. A injeção eletrônica LE2 Jetronic possuía sensor de detonação. E por fim a versão a diesel da marca VM Motori de cinco cilindros com 2.499 cm³, desenvolvia 116 cv e 26 m.kgf. Esse trem de força primava pela manutenção simplificada e economia de combustível. 

A joia da cora ficava por conta do motor V6 de 60° desenhado por Giuseppe Busso. Este trem de força tinha 2.959 cm³, trazia bloco e cabeçote em alumínio, comando único de válvulas em cada cabeçote e duas por cilindro, entregava 192 cv a 5.600 rpm e torque de 25 m.kgf a 3.000 rpm, o suficiente para levá-lo a 230 km/h e fazer de 0 a 100 km/l em 7 segundos. Entre as características que chamam a atenção desse V6 estão os dutos de admissão cromados que acabaram por se tornar a marca registrado do modelo. E mesmo sendo tração dianteira o comportamento dinâmico 164 superou as expectativas dos alfistas mais puristas.  O acerto de suspensão e direção deixavam o sedã muito preciso e controlável em acelerações mais fortes. A versão V6 também contava com sistema eletrônico de nivelamento da suspensão traseira.

SUPER ALFA

Depois de cinco anos de mercado em 1993 a Alfa Romeo fez pequenas alterações visuais no modelo 164. Na dianteira os faróis ficaram mais estreitos, além de ganhar duplo defletor (do tipo elipsoidal para o facho baixo), os para-choques e as proteções laterais das portas que antes eram cinza ficaram num tom de preto. As rodas passaram a ter um desenho do tipo gota com acabamento cromado. Os instrumentos trouxeram a nova grafia, bem como os comandos de ar-condicionado que tiveram as teclas redesenhadas para um melhor manejo. Como opcionais havia agora bancos com revestimento em couro e teto-solar elétrico. Já o motor da versão 12 válvulas, devido ao uso do catalisador para se enquadrar às novas normas anti-poluição passou a debitar 183 cv a 5.800 rpm e o torque a 26,2 m.kgf. 

Para dar mais status à imagem do modelo 164 foi importada também a nova versão batizada de 164 Super. A versão Super trazia como novidade o motor V6 3,0 litros com 24 válvulas que rendia 210 cv a 6.300 rpm e 27,5 m.kgf de torque. O trem de força podia ser acoplado a transmissão manual de cinco marchas ou automática de quatro marchas da marca ZF. Com câmbio manual o 164 Super podia atingir velocidade final de 240 km/h e fazer de 0 a 100 km/h em 8 segundos. Visualmente havia poucas diferenças em relação à versão de 12 válvulas, como os para-choques com novos desenhos sem as estrias e pintados na cor do carro, além de um friso cromado que envolvia toda a carroceria. Internamente havia airbag para motorista, como opcionais tínhamos o airbag para passageiros, rádio toca CD, teto solar elétrico e o sistema eletrônico antifurto AlfaCode. 

Com a diminuição do imposto de importação e menor custo de transporte (a Fiat passou a trazer as Alfa Romeo nos mesmos navios que levavam peças à Europa), o preço foi reduzido: 55 mil dólares para a versão de 12 válvulas e 60 mil dólares para o modelo Super. Foram criadas também pontos de vendas exclusivos para a marca, desvinculando das concessionárias Fiat, além de oferecer o serviço de assistência 24 horas chamado de Scuderia Alfa. Naquele período haviam sido nomeadas 40 revendas que além do modelo 164, também venderiam o sedã 155, hatch 145 e o conversível Spyder.  

No Brasil o modelo 164 alcançou um relativo sucesso com vendas totais de 6.277 unidades, sendo o ano de 1994 o melhor resultado, com 2.731 exemplares. As vendas globais do Alfa Romeo 164 totalizaram 270 mil unidades, em 1998 cedia espaço ao modelo 166. Durante seus 10 anos de produção o modelo 164 conseguiu renovar a imagem esportiva e de luxo da Alfa Romeo como construtora de belas máquinas estradeiras.  

AMIGOS DO ALFA ROMEO 164

Encontrar um exemplar da primeira série do Alfa Romeo 164 em bom estado nos dias de hoje é uma tarefa quase impossível, o que dirá reunir dois modelos para uma mesma reportagem. Felizmente ainda há pessoas que mantém essas preciosidades em funcionamento e assim pudemos realizar o encontro. Essa tarefa prazerosa partiu dos colecionadores Marcelo Paolillo e Sebastião Antônio Serpa Júnior. 

Marcelo Paolillo já é um conhecido das nossas páginas, pois foi ele quem nos cedeu a Alfa Romeo 2300 Ti 1984 para fazermos a primeira reportagem da sessão Do Fundo do Baú. Paolillo que é um apaixonado pelos carros Alfa Romeo, a sua coleção é batizada de Confraria 2300, e é composta por diversos Alfas brasileiros e alguns italianos, além de Fiats das décadas de 70, 80 e 90. O Alfa Romeo 164 verde Mirto 1990 foi encontrado guardado em uma garagem. Embora estivesse preservado e original, foi necessário dedicação para deixá-la em ordem. “O Alfa Romeo 164 da primeira Série, produzido pela ALFA-LANCIA, é um modelo diferente e traz muitos detalhes únicos se comprado às Alfas 164 da segunda série feito pela ALFA-FIAT, principalmente no tocante ao acabamento interno”, explicou Paolillo.  

O motor V6 de 3,0 litros, com belos dutos de admissão cromados, podia levar o 164 a 230 km/h; os primeiros modelos eram produzidos pela planta da Arese batizada de Alfa-Lancia
Outra curiosidade sobre o Alfa Romeo 164 verde Mirto que ilustra essa reportagem é que o modelo foi exposto durante o Salão do Automóvel de 1990. “Esse 164 em questão foi o modelo exposto no Salão do Automóvel de 1990 no estande da Alfa Romeo”, diz orgulhoso o dono.

Já o comerciante Antônio Sebastião Antônio Serpa Júnior é um admirador da linha Alfa Romeo e em específico dos modelos 164. Ele nos contou que sua paixão pelo Alfa Romeo 164 começou ainda na adolescência, quando ia visitar uma revenda da marca. “Lembro que quando garoto, eu ia visitar uma concessionária da Alfa Romeo e fica admirado com as linhas dos modelo 164, que além de moderno contava a questão da novidade pois era a volta dos carros importados”, disse o dono.

O sonho de ter um Alfa Romeo 164 sempre perseguiu o comerciante, que tempos depois soube de um leilão no qual haveria um modelo colocado para lance. “Foi a minha oportunidade ter um Alfa 164 1992 na cor Rosso Alfa da primeira série, igual a que foi capa da revista Quatro Rodas. O mais curioso é que as pessoas presentes não tiveram interesse nela. Dei o lance de R$ 8 mil reais e arrematei o carro”, explicou sorridente Serpa.

O carro não precisou de restauração, apenas manutenção estética. Porém, as peças mecânicas, para a manutenção são caras e difíceis de encontrá-las. “O principal problema para esse carro é a parte mecânica já que as peças de reposição são caras e complicadas para achá-las, encontra-se algumas partes no exterior ainda”, conta o comerciante. 

Fora esse contratempo o Júnior ressalta que a experiência de pilotar um Alfa Romeo 164 é única. “Considero o conjunto mecânico muito harmônico e equilibrado, sem dizer que seu desempenho é invejável”. A paixão do proprietário pelo modelo é tanta que ele comprou uma miniatura numerada da Alfa Romeo 164.