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Câmbio DSG gera desconfiança entre reparadores e sugere que automatizados podem ter vida curta


Depois da Volkswagen promover um recall de 1,6 milhão de veículos devido a problemas em sua transmissão automatizada, a Ford desiste do câmbio Power-Shift. Será o começo do fim dos automatizados?

Por: Antônio Edson - 21 de agosto de 2017

Foto 1

Em novembro de 2013, o Grupo Volkswagen optou por realizar um gigantesco recall convocando proprietários de mais de 1,6 milhão de veículos das marcas Audi, Seat, Skoda e Volkswagen devido aos recorrentes defeitos que acometiam – e ainda acometem – sua transmissão DSG (iniciais de Direct Shift Gearbox ou Caixa de Velocidades de Mudança Direta, em português). No recall, as concessionárias do Grupo repararam gratuitamente o câmbio de assistência robotizada e dupla embreagem desenvolvido nos anos 1980 pela Porsche e lançado comercialmente em 2003, na versão DQ250, primeiro no Golf MK4 R32 e, posteriormente, no Audi TT 3.2. Mais tarde esse modelo de transmissão, com variações, seria assimilado por muitos veículos esportivos Premium de outras montadoras sob diferentes nomes comerciais – PDK (Porsche), PowerShift (Ford), TCT (Fiat), StepTronic (BMW) e SpeedShift (Mercedes-Benz) –, tornando-se uma espécie de câmbio automatizado de grife em comparação aos utilizados pelos modelos mais populares – I-Motion (Volkswagen), Dualogic (Fiat), Easy’R (Renault) e Easytronic (Chevrolet), esse já descontinuado.

Outro golpe – já aguardado – na transmissão DSG aconteceu em abril deste ano durante o Salão do Automóvel de Xangai, na China, quando a Ford lançou a nova versão do seu EcoSport – a mesma produzida na planta de Camaçari, na Bahia – com um câmbio automático convencional de seis velocidades com opção de trocas sequenciais e sem o seu PowerShift, a transmissão automatizada que tanta dor de cabeça deu à montadora e aos seus clientes. Para bom entendedor, a Ford abandonou aí o seu projeto de câmbio automatizado de dupla embreagem.

Por último, em junho passado, a mesma Volkswagen que trouxe ao mundo a transmissão DSG anunciou durante o Simpósio Internacional de Motores em Viena, na Áustria, que o desenvolvimento de seu câmbio de dupla embreagem de 10 velocidades, o chamado DSG-10, projetado para trabalhar com motores de alto torque, foi interrompido e não tem prazo para ser retomado.
Defeitos cedo demais

Em que pese cada uma das três notícias acima ter um contexto próprio é forçoso reconhecer: a expectativa em torno das transmissões automatizadas, de modo geral, não é das mais tranquilas e as montadoras parecem desmotivadas em continuar investindo nelas. Não sem motivos. Entre muitos usuários que viam nelas uma opção mais econômica em relação aos câmbios automáticos tradicionais a sensação é de frustração. Já entre os reparadores especializados em transmissão a percepção é a de que muitos veículos automatizados ficaram devendo em desempenho, durabilidade e, principalmente, confiabilidade. Pior do que isso: segundo eles, os que ainda não apresentaram problemas um dia vão apresentar. Não é uma questão de como isso acontecerá, mas quando.

Segundo o reparador Roberto Gomes Caetano (foto 2), 37 anos, membro e consultor da Associação de Profissionais Técnicos em Transmissão Automática (Aptta), e proprietário da oficina SOS Automáticos, de São Caetano do Sul (SP), a transmissão DSG, justamente aquela de que se esperava muito por equipar alguns carros esportivos do segmento Premium, é uma das que mais frequentam as bancadas das oficinas do setor. “Ela realiza troca de marchas em menos de um segundo ou mais rápido do que qualquer outro tipo de transmissão e isso explica porque ele encontrou tanta aplicação em veículos esportivos. No entanto, em um trânsito tipo anda e para ela não se dá bem, o que explica porque todos os tipos desse câmbio têm apresentado algum problema. E esses ocorrem cedo demais, com veículos de pouca rodagem, por volta dos 30 mil quilômetros”, relata o Consultor OB desta edição.
Secos e molhados

Entre os vários tipos de câmbios de dupla embreagem a diferença que os separa é em relação ao modo de trabalho da embreagem: seca ou úmida. As secas foram projetadas para trabalhar com um torque mais baixo enquanto as banhadas em óleo são empregadas em motores de alto torque que exigem mais energia e calor, sendo o fluido responsável pelo seu arrefecimento. Algumas dessas transmissões mais conhecidas dos brasileiros são a DQ200, com 250 nm de limite de torque, que trabalha a seco e equipava até recentemente o Golf 1.4 TSI e o Audi A3 Sedan 1.4 TFSI e atualmente está presente no A1 1.4 TFSI e a, razoavelmente conhecida pelas oficinas brasileiras, DQ250, que equipa o Audi A3 Sedan e o Audi TT, que suporta até 350 nm de limite de torque e cujos discos de embreagens são umedecidos em óleo.

Tanto as secas quanto as molhadas estão sujeitas a apresentar algum tipo de problema e os sintomas são bem variados, como perda de potência ao entrar no modo de emergência, vazamentos de óleo pelo respiro, painel piscando um sinal de alerta, acelerações repentinas ou retardadas, desgaste interno prematuro, lentidão nas trocas de marchas (incluindo reduções), além de vibrações incomuns, trepidações, barulho e superaquecimento.

Mecatrônica e embreagem

Os defeitos podem estar tanto na caixa do acumulador hidráulico da mecatrônica quanto no conjunto de embreagem, que apresenta um desgaste prematuro nos discos. Esse, aliás, parece ser um dos problemas mais corriqueiros. “Ao retirar os discos da caixa de câmbio eles estão com aparência normal, ao menos a olho nu. No entanto, ao medi-los com precisão mais fina, com um micrômetro ou paquímetro, é constatada uma diferença de 1 a 2 milímetros. Ou seja, há um desgaste prematuro dos discos, uma pequena folga que faz muita diferença na prática. Isso já é o bastante para provocar um fluxo maior de óleo e o câmbio entrar em modo de emergência”, informa o Consultor OB Roberto Caetano.

Um exemplo de um típico reparo em um câmbio DSG realizado na oficina de Roberto, e que ilustra essa matéria, pode ser o de um VW Jetta 2011 2.0 TSI com 35 mil quilômetros (foto 1) equipado com uma transmissão DSG VW-AUDI 02E, de seis velocidades (foto 3) e cujo defeito era o de apresentar um delay (retardo) ao engatar a marcha ré e um barulho no câmbio. Para chegar ao diagnóstico certo, de que o problema estava de fato no desgaste prematuro dos discos, Roberto lançou mão dos recursos apropriados. “Antes de começar a mexer com qualquer tipo de transmissão automática ou automatizada, recomendo ao reparador que tenha a aparelhagem adequada ou o scanner próprio que aponte um caminho ou o código da falha, o DTC, Diagnostic Trouble Codes, Código do Diagnóstico do Problema. Essa informação somada à experiência do reparador é o primeiro passo para um reparo benfeito”, orienta o Consultor OB.

Foto 3Seguindo o protocolo

Ao retirar o câmbio e os discos de embreagem que apresentaram desgaste (foto 4), esses são substituídos por um novo kit de discos (foto 5) que foram previamente deixados de molho no fluido durante duas horas. Os discos são então montados e encaixados um a um (foto 6, 7 e 8). Em seguida, é aplicado o fluido específico para o câmbio, no caso o sintético FFL2 (foto 9 e 10) recomendado pela Audi. A última etapa do procedimento inclui a reaprendizagem do câmbio feita através do scanner e de um software original da Volks (fotos 11, 12, 13 e 14), o VAS, que orienta o reparador a realizar passo a passo a reprogramação eletrônica da transmissão. “Essa última etapa do processo inclui rodar em uma viagem teste de aproximadamente 50 quilômetros com o veículo seguindo as orientações do programa. Obedecer a esse protocolo é fundamental para a transmissão voltar a funcionar correntemente”, alerta o Consultor OB Roberto Caetano.

Por mais bem realizado que seja, o reparo de um câmbio DSG não implica que ele estará imune a novos defeitos e é importante o reparador esclarecer esse fato ao seu cliente. “Sua vida útil, digamos assim, não passa muito de 30 mil quilômetros, mesmo entre aqueles que passaram por um bom reparo, e o cliente precisa estar ciente disso”, reitera Roberto. “Isso porque seu problema não está nas peças utilizadas, mas no conceito de engenharia empregado nessa transmissão, não muito preparada para o anda e para de um trânsito atravancado”, explica. Esse curto limite, aliás, é a principal razão de em alguns países, como a China, a Volkswagen ter estendido para 10 anos a garantia dos veículos equipados com a transmissão DSG. Segundo a montadora, o problema dessa transmissão, em particular a DQ200, se torna ainda mais frequente em veículos sujeitos a climas quentes e úmidos como os do Sudeste Asiático. Nesses países, a montadora tem recomendado a substituição do fluido de transmissão sintético por um mineral.