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Além da competência técnica e equipamentos de precisão, é preciso acreditar no inesperado


Vamos explorar o universo dos eventos inesperados ou improváveis, que se não trabalhados adequadamente, são geradores de frustrações que desmotivam o reparador na hora da realização do diagnóstico de falhas

Por: Laerte Rabelo - 13 de julho de 2020

Crenças baseadas em evidências empíricas: Acreditar que algo é verdadeiro através da observação dos fatos que ocorrem em nosso dia a dia na oficina é bastante comum e se torna mais evidente quando o mesmo fato é confirmado por outros técnicos que vivenciaram a mesma experiência em suas oficinas. 

Por exemplo, digamos que um cliente chegue em uma oficina relatando que o seu veículo, um Chevrolet Cobalt 1.8 ano 2017, apresenta perda de potência e alto consumo de combustível. O técnico, ao se deparar com a situação e observando o ano do veículo, conclui, baseado em sua experiência de mais de duas décadas de reparação, que provavelmente não há problemas mecânicos no motor. 

Inicia o diagnóstico realizando testes na seguinte sequência: 

Sistemas de ignição, alimentação, confere o sincronismo, funcionamento de sensores e atuadores e não encontra exatamente nada de errado, o que lhe deixa bastante intrigado. 

Sem encontrar nenhuma anomalia que estaria causando o sintoma relatado pelo cliente decide entregar o carro, pois não obteve sucesso no diagnóstico. 

Este exemplo, aparentemente hipotético, na verdade é real e aconteceu não só em uma oficina, mas em várias lá na cidade de Vitorino Freire no estado do maranhão. 

Após passar em diversas oficinas sem obter êxito, o proprietário foi informado que nesta cidade tinha uma oficina de um jovem técnico de nome João Lopes, que tinha um incrível histórico de sucesso nos diagnósticos que realizava. 

O proprietário, inicialmente, relutou em levar o veículo a esse jovem técnico, mas como não tinha mais nada a perder decidiu ir na oficina desse garoto prodígio. 

Chegando na J.L Diagnóstico Automotivo, nome da oficina do técnico João Lopes, o proprietário relatou toda a problemática, inclusive o fato de ter passado em várias oficinas, ter gasto uma quantia considerável com a substituição indevida de várias peças, e que estava um pouco descrente da capacidade técnica dos reparadores daquela região. 

João, como de costume, ouviu atentamente o cliente observando os detalhes e as valiosas informações que poderiam sair dessa conversa inicial. 

Depois de reunir todas as informações dos testes e itens substituídos pelas outras oficinas e desprovido de qualquer crença que limitasse sua análise e abrangência do diagnóstico, o técnico, diferente de todos os reparadores anteriores, decidiu avaliar o estado dos componentes mecânicos do motor, muito embora sabia que era improvável que um veículo tão “novo” teria um problema dessa natureza, mas como improvável não é o mesmo que impossível decidiu sem sombras de dúvidas que iria começar analisando possíveis defeitos mecânicos. 

O reparador realizou como primeiro teste a análise da compressão relativa, através da verificação da queda de tensão da bateria, utilizando-se para tanto de um osciloscópio. A figura 1 apresenta o resultado da captura.

A característica principal deste tipo de sinal é a análise da parte inferior do gráfico, a queda de tensão da bateria deve ser praticamente igual para todos os cilindros. A identificação dos cilindros é feita utilizando um outro sinal, geralmente o de ignição do primeiro cilindro, a fim de que ao realizar a contagem da sequência de ignição se consiga identificar facilmente qual cilindro apresenta a falha. 

Feita as devidas considerações e observando o sinal da figura 1, vemos que a queda de tensão proveniente do segundo cilindro é menor do que os demais, indicando que neste cilindro há um problema mecânico, contrariando, totalmente, as evidências baseadas nas experiências passadas que mostram que um veículo com pouca “idade” não poderia apresentar este tipo de problema. 

Para confirmar a assertividade do diagnóstico e procurando especificar mais ainda qual o componente causador da anomalia do veículo, João utilizou-se de um transdutor de vácuo instalado no coletor de admissão e realizou a verificação do vácuo gerado por cada cilindro na partida. Para saber se o problema era no cabeçote ou na parte de força do motor, parte de baixo. A figura 2 mostra a confirmação da falha de cabeçote. 

Ao verificar a captura, João Lopes confirmou que havia uma diferença de vácuo gerado pelos cilindros, a partir desta análise ele já tinha certeza de problema mecânico no cabeçote.

O reparador, para ir mais a fundo no diagnóstico, fez uma nova verificação com o transdutor de vácuo instalado no coletor, só que desta vez com o motor em marcha lenta, conforme exibe a figura abaixo.

Ao ver o sinal, o reparador confirmou que o segundo cilindro estava com uma geração de vácuo menor que os outros cilindros, situação que o deixava bastante à vontade para remover o cabeçote mediante aprovação do cliente. 

Todavia, antes de apresentar o orçamento ao cliente, fez questão de fazer um teste convencional de pressão de compressão a fim de concluir o diagnóstico e partir enfim para a reparação. 

Iniciou pela medição de compressão do segundo cilindro, o que apresentava a irregularidade de vácuo. A figura 4 mostra o resultado da análise.

O valor de aproximadamente de 100 PSI para um motor 1.8 é considerado muito baixo e mediante as análises já realizadas, confirmou-se através deste teste que realmente o segundo cilindro tinha problemas de vedação de cilindro. 

Para finalizar, fez a verificação nos demais cilindros que não apresentaram nenhuma anormalidade durante as verificações.

Ao observar o resultado da medição, João viu que a diferença da pressão de compressão entre os cilindros era muito grande, cerca de 150 PSI, já que todos os demais apresentaram um valor de 250 PSI, bem superiores aos 100PSI apresentado pelo segundo cilindro. 

Concluído o diagnóstico, restava apenas apresentar ao cliente o orçamento e esperar sua autorização. 

Ao visualizar o orçamento e com as imagens dos testes, o cliente ficou muito surpreso e admirado com os detalhes e segurança de João ao falar do resultado das verificações e o total domínio ao explicar cada captura realizada pelo osciloscópio e a confirmação destes, através dos valores de pressão oriundos da medição da pressão de compressão pelo manômetro. 

Autorizou prontamente o serviço e desta forma, o técnico partiu para a remoção do cabeçote e verificou que a válvula de escape do segundo cilindro estava trincada, como mostra a figura abaixo:

A figura a seguir, apresenta em detalhes, a válvulas de escape trincada fora do cabeçote. 

A partir dessa situação, podemos fazer as seguintes perguntas:

⦁ Será que os reparadores não tinham capacidade técnica para descobrir a causa da anomalia?

⦁ Se o veículo em questão fosse um 2010 ao invés de 2017 será que os mesmos técnicos não teriam solucionado o caso?

⦁ O que impossibilitou o sucesso no diagnóstico foi a falta de competência técnica ou as crenças limitantes baseadas nas experiências de casos resolvidos durante décadas na oficina?

Estas e outras questões são fundamentais para levantar uma questão crucial no momento da realização de um diagnóstico: 

⦁ Ausência de evidência não é a mesma coisa que evidência de ausência, ou em outras palavras, não é porque você nunca pegou um caso assim, que ele será impossível de acontecer, desta forma, sempre devemos considerar em nossos diagnósticos o fator inédito, o improvável ou inesperado, pois se ficarmos cegos diante disso, um dia seremos pegos de surpresa e fracassaremos no diagnóstico.

⦁ Causas de anomalias ocorridas no passado por mais que se repitam não garantem que sejam as mesmas causas das mesmas anomalias no presente, ou seja, mesmo fazendo um teste de vácuo na partida, por exemplo, e se identifique problema mecânico no motor pode ser que esta falha seja por outro motivo, fique atento à aleatoriedade dos fatos. 

Para exemplificar o ponto 2, vamos para mais um caso de estudo:

A figura 8 exibe o teste de vácuo na partida de um veículo Fiat Doblo 1.4 ano 2015 que apresentava baixo desempenho e já havia passado por várias oficinas da grande Fortaleza sem conseguirem identificar a causa da falha.

Quando o veículo chegou na Baratão Autopeças, localizada na avenida dos expedicionários no Bairro Vila União da cidade de Fortaleza, no estado do Ceará, o técnico Daniel conseguiu diagnosticar esse caso totalmente intrigante e com um final inesperado. 

Ao observar a imagem Daniel, sabia que provavelmente havia problema mecânico nesse motor. 

Apresentou o orçamento ao proprietário que autorizou o serviço, o técnico removeu o cabeçote e para sua surpresa o mesmo não apresentava nenhuma anomalia que justificasse o sinal capturado. 

Como Daniel dominava muito bem os fundamentos e interpretação do sinal do transdutor de vácuo sabia que para que o sinal apresentasse aquela variação tinha que ter algum problema em relação ao subsistema de admissão de ar. Assim, partiu para a inspeção do coletor de admissão. 

Para sua total alegria e surpresa encontrou a causa do problema do veículo. A figura 9 exibe o fator inusitado que devemos sempre colocar em nossas possibilidades no momento do diagnóstico. 

É isso mesmo, uma estopa estava dentro do coletor obstruindo a passagem de ar, principalmente para o terceiro cilindro, ocasionando perda de força do veículo. 

Este tipo de falha entra na lista dos “defeitos colocados” que já não são tão raros, mas que ainda fazem muitos reparadores perderem noites de sono. 

Enfim, caros amigos reparadores, procurei nestas breves linhas, mostrar que ao realizar um diagnóstico temos que além de domínio técnico e equipamentos de ponta, devemos ter sobretudo, uma mente aberta para a possibilidade possível oriunda de nossas experiências passadas, assim como as improváveis, que mais cedo ou mais tarde irão acontecer com todos nós. 

Até a próxima