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Hemi: uma lenda viva, e como!


A origem dos motores Hemi, na aplicação automotiva, remonta a década de 50 nos Estados Unidos, quando seu fabricante Chrysler ganhava muita notoriedade nas competições com estes propulsores

Por: Da Redação - 07 de julho de 2011

O nome Hemi vem da abreviatura de hemispheric (hemisférico), que representa o formato da câmara de combustão. Esta tecnologia, então exclusiva da Chrysler, representava um grande avanço na engenharia dos motores, pois proporcionava uma melhor queima e aproveitamento da mistura ar-combustível, o que se traduzia em mais eficiência (potência específica).

Porém, a verdadeira história dos Hemi tem origem na operação aeronáutica da Chrysler, que fabricava motores de avião, e o primeiro propulsor com este desenho de câmara (como veremos adiante) de combustão foi desenvolvido para outra lenda (desta vez da aviação) o caça Thunderbolt, o famoso P-47.

Na versão aeronáutica, este primeiro Hemi possuía 16 pistões, em distribuição radial, e 2.500 HP. Esta experiência com motores aeronáuticos permitiu aos engenheiros da Chrysler o domínio da tecnologia para produção de cabeçotes hemisféricos com a perfeita geometria para abrigar as duas válvulas (admissão e escape).

Só fazendo um parênteses histórico e que reforça a lenda. Foi a bordo dos P-47 que pilotos brasileiros em missões na Segunda Guerra Mundial provaram aos exércitos aliados grande habilidade, competência e coragem em missões nos céus da Itália.

Pois, foi todo este histórico de adrenalina, emoção e potência, que ajudou na construção da lenda dos motores Hemi, e acabou migrando para as pistas de competição nos anos 50.

Porém, ao longo dos anos, as séries mais recentes deste motor (inclusive a testada) já não apresentam mais as câmaras de combustão totalmente hemisféricas. Assim, a tecnologia mudou, mas a fama ficou agregada ao nome.

UM HEMI NAS RUAS
Em São Paulo, fomos ao encontro da “lenda” e o descobrimos abrigado no cofre de um 300C SRT8 ano 2009. Este modelo especial do 300C tem pretensões mais esportivas que o modelo “normal” e é desenvolvido por uma divisão especial de engenharia dentro da Chrysler que produz as versões “bravas” SRT (Sport, Road and Test), cuja sigla significa “esporte, estrada e teste”, numa tradução livre do inglês.

No SRT8, o motor é maior e mais potente, pois no 300C de série (também um Hemi) possui uma cilindrada de 5.7 litros e 340 HP, já na versão possui 6.1 litros e 430 HP, ganhos não só com o aumento da cilindrada, mas mediante outros detalhes apimentados que descreveremos posteriormente.

Mas antes de detalharmos o motor deste carro, vale a pena dividir com vocês as soluções que a engenharia da Chrysler teve de desenvolver para que toda esta “cavalaria” e torque (são 58 mkgf a 4.500 rpm) fosse domadas por um motorista comum.

Já no primeiro olhar chama a atenção, o tamanho das rodas (originais de fábrica) de aro 20 e bitola  245mm na dianteira e 255mm na traseira. Este modelo fica com a aparência ainda mais agressiva, pois está mais baixo (2 cm) que a versão de série e possui uma grade de design diferenciado e mais esportivo.

Completam o visual agressivo as pinças do sistema de freio Brembo em vermelho e superdimensionadas que saltam na vista lateral, além de um discreto aerofólio na tampa do porta-malas (que não é só decorativo, segundo a engenharia da Chrysler a ajuda na aerodinâmica em altas velocidades).

Depois desta avaliação externa, vamos para o inteiror do veículo, pois há mais novidades. Ao abrirmos a porta do motorista, já identificamos os bancos esportivos Recaro, do tipo envolventes e com regulagens elétricas e a insígnia SRT gravada.

No painel, portas e console central exibem aplicações de fibra de carbono, que confirmam a veia esportiva do modelo.

Mas a grande novidade para os motoristas com pretensões esportivas está no computador de bordo que oferece um modo esportivo que mede: aceleração de 0 a 100, força “G” (isto mesmo caro leitor, é coisa de avião a jato!) e tempo de frenagem.

Pois esta “Disneylândia” de informações é uma fonte de diversão que aguça as pretensões (e tentações) esportivas do motorista.

Em nosso teste, conseguimos marcar a aceleração de 0 a 100 em 5 segundos, e 0,99 de força G!

A suspensão é bem mais dura do que a do modelo normal, o que se traduz em grande estabilidade e disposição para fazer curvas. O carro fica assentado no chão, a direção, apesar de hidráulica, é um pouco pesada, mas nada lenta.

Resumo da ópera: um sedã de 5 metros e duas toneladas, que acelera como um Porsche (graças ao Hemi embaixo do capô) e ao perfeito projeto de suspensões e rodas.

Quando assunto é freio, o superdimensionamento continua e os freios Brembo de seis pinças na frente e quatro atrás, apertando discos ventilados na frente e traseira de 360mm e 350mm respectivamente, que fazem um trabalho inacreditável.

É óbvio que o ABS completa o trabalho de frenagens seguras em espaços considerados curtos para um carro de duas toneladas.

CONTROLE DE TRAÇÃO PREGUIÇOSO
Basta se acomodar no assento do motorista, ajustar posição do banco e direção para você se sentir no comando de uma nave. Não há como não encontrar uma posição confortável para dirigir (ou pilotar?) em função de tantos ajustes.

Ao darmos a partida no motor, uma agradável surpresa, o sistema de escape, diferentemente do modelo original que privilegia o silencio, deixa vazar um pouquinho da agressividade do Hemi e nos brinda com um sonoro ronco esportivo, grave, porém, “redondo” típico dos “V”, que só “rasga” um pouco nas acelerações. Nada em demasia, mas já emociona e convida a pisar fundo.

Pois foi justamente isso que fizemos... Na primeira acelerada, uma surpresa, mesmo com o controle de tração ligado, o carro partiu arrastando os dois enormes pneus traseiros, levantando fumaça e partindo “de lado”. Isso mesmo, o controle de tração é deliciosamente preguiçoso! Pois esta regulagem do sistema, que pode provocar sustos em motoristas mais conservadores, é uma fonte de emoção para aqueles mais afoitos.

Aliás, neste sentido, aqui cabe outro parênteses, agora, para refletirmos sobre as diferenças construtivas e conceitos entre carros produzidos nos EUA e Europa (principalmente, os alemães). Pois os carros do velho mundo, até com potência maior do que o 300C SRT8 costumam trazer controles de trações tão atuantes que uma arrancada, como a que experimentamos com este dragster ianque, nunca aconteceria.

Mas as diferenças não param por aí, e fica claro que não por uma questão de tecnologia, pois duvidamos que as montadoras norte-americanas não disponham de uma tecnologia tão eficiente quanto as européias quando o assunto é controle de tração. Trata-se mesmo de uma questão que remonta a cultura dos engenheiros americanos, que se resume assim: se não patinar na arrancada não é um carro realmente potente, e a emoção de dirigir está na fumaça que os pneus geram... afinal, gosto é gosto e nós, particularmente, preferimos estes carros não tão obedientes.

Se divagarmos sobre diferenças construtivas entre carros americanos e europeus, vamos identificar outras diferenças construtivas (estilo, tamanho, peso, suspensões, tração, etc.), que deixam claro, que muito mais do que questões de engenharia, o que está em jogo na disputa entre o velho e novo continente é a cultura e preferência dos motoristas. Este 3000C SRT8 é um exemplo disso, um carro totalmente americano. Ainda que na origem deste projeto encontrássemos traços do Mercedes classe E, pois o 300C foi concebido pela Chrysler quando esta pertencia a Daimler.

Acho que vocês querem saber o resultado da acelerada, não é mesmo? Na primeira tentativa e medida pelo computador de bordo, conseguimos chegar aos 100 km em apenas 5 segundos!

Como grudamos no banco, fomos avaliar a força G no acelerômetro do próprio computador e lá estava a resposta para a força que nos grudou ao banco: o instrumento registrou 1 g na acelerada!

Ou seja, se pesamos 80 quilos, esta massa, que normalmente é sustentada pela base do assento, foi jogada contra o encosto. Pelas leis da física, no momento desta abarrancada, poderíamos dispensar a base do banco e continuaríamos fixos na posição pela força que nos joga contra o encosto. Isto é emoção pura, que só encontramos em brinquedos de parques de diversões e aviões de acrobacia, que assim como este SRT8, desafiam a gravidade!

AGORA, O "SENHOR MOTOR"
Depois deste breve relato sobre o conjunto do carro, chega a hora de dissecarmos o responsável por toda esta diversão, que é o nosso Hemi 6.1.

De posse da ficha técnica, mais uma vez fica evidente as diferenças culturais entre engenharia norte-americana e europeia. O Hemi é um motor moderno? De jeito nenhum, se avaliado pelo que carrega de tecnologia, mais parece peça de museu!

NÃO ESTÁ ACREDITANDO? ENTÃO VAMOS LÁ:
- Possui comando variável? Não e o que é pior e quase inacreditável, o motor usa um único comando de válvulas no bloco, varetas  balancins. Dá para acreditar nisso num motor fabricado em 2009? Coletor variável? Nem pensar, ainda que represente uma peça interessante de engenharia (veja detalhe da foto) é fixo como uma rocha.

Válvulas por cilindro? As duas básicas e essenciais, ainda que de medidas gigantescas e as de escape com refrigeração a sódio para dissipar o calor gerado pelas explosões. As câmaras hemisféricas nos cilindros são de quase 758 cm cúbicos cada.

O único detalhe que podemos considerar mais atual se refere ao sistema de ignição que adota duas velas por cilindro, o que torna a queima mais uniforme e eficiente impactando diretamente em menores emissões de gases.

A cilindrada do V8 é de precisamente 6.058 cm3 o que, nesta configuração arcaica, gera 430 HP a 6.200 rpm e um torque de 48 mkgf a 4.500, resultando em uma potência específica de 71 HP por litro, o que não é grande coisa quando comparado com o 100 HP por litro de um Honda Civic VTI 1.6 que totaliza 160HP.

Esta menor potência específica do motor é resultado da baixa tecnologia aplicada. Porém, se traduz em durabilidade e confiabilidade por ser muito pouco exigido, deixando claro o superdimensionamento de sua estrutura, que, por sinal, é de ferro fundido à exceção dos cabeçotes.

Quanto ao consumo, se comparados a outros veículos esportivos e pesados, não faz feio e registra uma média de 5 km por litro na cidade e até 10 na estrada (pisando muito leve e na média de 90 km hora). Porém, quando você aperta o pedal direito, a emoção cobra seu preço na bomba de combustível...

No quesito consumo, cabe notar que o irmão menor deste motor, o Hemi 5.7 que equipa do 300C normal, a Chrysler instalou um dispositivo chamado “MDS – Multi Displacement System”, que corta 2 dos 8 cilindros, toda a vez que o motor não estiver sendo exigido, como em situações de tráfego em rodovia em velocidade constante. Este sistema não é aplicado neste Hemi 6.1, pois pode comprometer o desempenho em algumas situações de retomada, e desempenho é palavra de ordem na versão SRT8.