Com honrosas condecorações militares e uma reputação de um grande soldado devido aos mais árduos serviços prestados nos campos de batalha da Segunda Guerra Mundial, o sucesso do Jeep emergiu naturalmente devido ao vasto noticiário da guerra transmitido pela mídia impressa, radiofônica e, principalmente, pelos tão comuns cine-jornais da época, em que o novo, pequeno e diferente veículo estava sempre em cena transportando tropas, atravessando terrenos alagados e inóspitos.
O projeto original do Jeep previa um veículo rústico, de pequenas dimensões e que fosse de fácil transporte. O prazo imposto pelo exército americano, dada a urgência, era de apenas 49 dias para que fossem apresentados protótipos funcionais para testes. Das 135 empresas convidadas, apenas três aceitaram o desafio: Ford Motor Company, American Bantam (que foi a única que apresentou um protótipo real dentro do prazo pré-estabelecido) e Willys-Overland. No final das contas, o exército resolveu então pelas três empresas, mas aproveitando o desenho e as características mecânicas criadas pela American Bantam.
Entretanto somente a Willys-Overland pode honrar com mais da metade dos 700 mil veículos enviados à frente de batalha. E tanto os aliados como os inimigos ficaram impressionados com valentia daquele pequeno veículo arisco e diferente que ajudou-os a vencer o combate. Com o sucesso capitalizado a Willys não tardou a oferecer a versão civil do Jeep, sob a insígnia CJ (Civilian Jeep), as pessoas estavam ávidas em colocar as mãos naquele veículo “topa tudo”.
FAMÍLIA JEEP CRESCE
Herói da Segunda Guerra, o Jeep tornou-se um desbravador de caminhos difíceis em tempos de paz, levando o progresso a regiões inóspitas ao redor do globo terrestre. O sucesso da versão civil desenvolvida pela Willys deu origem a duas variantes, muito apreciadas por trabalhadores, fazendeiros e famílias com espírito aventureiro: a perua fechada Jeep StationWagon e a caminhonete Jeep Truck.
Em 1946, a Willys-Overland, estabelecida na cidade de Toledo, estado de Ohio, apresenta o primeiro derivado do Jeep, o modelo StationWagon, que seguia boa parte das linhas gerais do Jeep. O grande chamariz era sua carroceria era toda confeccionada em aço, uma novidade na época, já que boa parte das peruas exibia a carroceria parcialmente feita em madeira.
Coube ao desenhista Brook Steves, a criação do visual da perua Willys que trazia a tradicional dianteira com os faróis redondos e a grade com sete barras transversais. Os para-lamas retos e a grande área envidraçada conferiam um desenho único ao modelo que media 4,47 metros de comprimento e tinha 2,64 m de entre-eixos. A carroceria, montada sobre um chassi de longarinas que conferia mais robustez ao fora de estrada. Levava sete passageiros e tinha a vantagem do assento dianteiro direito e do banco traseiro poderem ser retirados, transformando a perua Willys num furgão de carga que podia transportar 2.700 litros de carga.
O motor era de quatro cilindros, 2,2 litros e cabeçote em “F” (válvulas de admissão no cabeçote e de escapamento no bloco) era o mesmo do Jeep. A potência era de apenas 63 cv e 14,5 m.kgf, lidava com um peso 300 kg maior na perua, levando-a com esforço a 105 km/h de velocidade máxima. O câmbio de três marchas logo recebia um overdrive, mas a tração permanecia apenas traseira — só em 1949 seria oferecida a perua 4x4, com feixes de molas semi-elíticas convencionais na suspensão dianteira.
Em 1947, a família Jeep cresce com o lançamento da picape Jeep WillysTruck. O modelo compartilha muitas partes com o Jeep CJ-2A e a perua WillysStationWagon. Media 4,66 metros de comprimento e tinha distância entre eixos de 2,99 metros. Podia receber caçamba em aço ou a opção de chassi com cabine. A picape Jeep ficou em produção até meados de 1965, quando foi substituída pela Gladiator. Em seus 18 anos de produção foram fabricados mais de 200 mil unidades.
PICAPE PAU PARA TODA OBRA
A Willys-Overland do Brasil estabeleceu-se como fabricante no país em 1954, quando iniciou a produção do Jeep CJ3. Dois anos depois eram lançados o Jeep CJ 5, chamado de Universal, e a perua Jeep StationWagon, que no Brasil foi batizada de Rural. Aproveitando o bom momento que usufruía no país, a Willlys-Overland aumenta o seu portfólio de produtos com o lançamento da picape Willys em 1961, batizada aqui de Pickup Jeep.
A picape já chegou incorporando o estilo remodelado apresentado na Rural em 1960, feito por Brook Steve. Esse desenho peculiar dava à picape um ar mais jovial e único, pois foi somente no Brasil que o utilitário da Willys adotou um desenho próprio. Destacava-se a dianteira com para-lamas retos e a frente com a grade quadriculada separada por um “T” estilizado ladeado pelos faróis redondos e discretas luzes de sinalização abaixo. Nas laterais o destaque ia para as portas com figuras simétricas e a caçamba que tinha um vinco em formato de bumerangue. Na traseira pequenas lanternas ficavam em posição elevada e a tampa da caçamba tinha a inscrição “Jeep”.
Internamente podia levar três pessoas no banco inteiriço. O painel de instrumentos resumia a um grande mostrador fixado ao centro que englobava velocímetro, medidor de nível de combustível e temperatura. A alavanca de câmbio era posicionada na coluna de direção, já a de tração e reduzida era disposta no assoalho. Não havia ventilação forçada: uma tomada de ar basculante captava ar fresco entre o capô e o para-brisa. Grande volante de visual rústico, tinha folga, era pesado e exigia muitas voltas de batente a batente.
Mas obstante desses pequenos defeitos, o que era indiscutível na picape Rural era sua robustez, era um “pequeno caminhão”. Ela tinha porte adequado para rodar nos centros urbanos pois media 4,86 metros de comprimento, 1,88 m de largura e 1,84 metros de altura. A distância entre eixos era de 2,99 metros e pesava 1.550 kg. Sua suspensão era por eixo rígido na frente e atrás, com feixe de molas semielípticas. Esse arranjo de suspensão era forte o bastante para a proposta veículo, embora prejudicasse o rodar, que não era dos mais confortáveis.
MECÂNICA ROBUSTA
Parte dessa valentia atribuída à picape Rural estava debaixo do capô. Era o motor BF-161 de 6 cilindros em linha. O B era de brasileiro e o F era devido ao esquema de válvulas de admissão no cabeçote e de escapamento no bloco. O numeral 161 descrevia a cilindrada em polegadas cúbicas: 2.638 cm³, que rendiam 90 cv e torque de 18 m.kfg. Foi o primeiro motor a gasolina inteiramente fabricado no país, era fundido na cidade de Taubaté. Outra particularidade desse trem de força era o coletor de admissão integrado ao cabeçote, ao invés de ser aparafusado a ele. Uma característica peculiar era a sonoridade emanada pelo motor BF-161, que rugia alto.
Curiosamente, ainda no início dos anos 60, algumas unidades receberam o motor Perkins 4-203 de quatro cilindros a diesel. A caixa de marchas podia ser três ou quatro marchas, foi a primeira picape nacional a ter a primeira marcha sincronizada. De início havia a opção de tração 4x2 e logo depois a tração 4x4. A caixa de transferência tinha relação de reduzida 2,46:1 que propiciava uma significativa multiplicação de torque, o que conferia uma excelente rampabilidade à picape. Seu ângulo de ataque era de 45°.
Com esses predicados a picape da Willys conquistou mais de 50% de participação no mercado. Em 1966, pequenas mudanças foram feitas para reduzir o consumo, a calibração do carburador era revista e havia a opção da roda-livre para eliminar o arrasto desnecessário da tração dianteira. Em 1967 é adicionado um novo painel de instrumentos localizados à frente do motorista. O volante ganhou trava de direção e na traseira é adicionado o para-choque.
MUDANÇA DE IDENTIDADE
Em 1968, a Ford adquire o controle acionário da Willys. Para buscar um novo nicho de consumidor é lançada a versão Luxo, que agregava botões cromados, calotas e pneus com faixa branca e pintura saia-e-blusa e teto branco como opcional. Dispunha do motor Willys 3000, com 3 litros e 132 cv, o mesmo motor utilizado no Willys Itamaraty.
A partir de 1972, a Rural passa a adotar a nomenclatura Ford, torna-se Picape Ford F-75. Devido à crise do petróleo deflagrada em 1973, os consumidores voltam-se a veículos mais econômicos. O motor de seis cilindros, apesar das boas características de dirigibilidade, estava longe de poupar combustível. Assim em 1976, a F-75 passa a adotar o novo motor Ford de quatro cilindros de 2,3 litros. Entre os atributos o novo engenho dispunha de comando de válvulas no cabeçote acionado por correia dentada, fluxo cruzado e tuchos hidráulicos que dispensavam ajustes periódicos da folga de válvulas. Desenvolvia potência máxima de 83 cv a 4.600 rpm e torque de 15,6 m.kgf a 2.600 rpm. Para equipar a F-75 o diferencial foi alongado de 4,3%, indo de 4,89:1 para 4,68:1, que visava à redução no consumo de combustível. Uma versão movida a álcool também foi oferecida. A potência era de 90 cv a 4.400 rpm e o torque de 16,5 m.kgf a 2.400. O carburador recebia um revestimento niquelado para evitar a corrosão Ni-28
A carreira comercial da F-75 chegou ao fim em 1983. A Fordjá vinha trabalhando no desenvolvimento da Pampa e tinha a F-100 e F-1000 em seu catálogo, não via mais propósito em manter a F-75 em linha. E passado mais de 30 anos do fim da sua produção ainda é possível encontrar modelos remanescente em plena forma e trabalhando arduamente.
AOS 40 ANOS AINDA NO BATENTE
Fomos ao encontro da Filomena, ou melhor da picape Ford F-75, na bela cidade de Campos do Jordão, localizada na Serra da Mantiqueira. Para contar um pouco mais sobre a Filomena, conversamos com a Noemi Souza de Oliveira, uma simpática senhora que nos recebeu muito bem e detalhou a sua história.
Noemi, que reside na área rural de Campos do Jordão, precisava de um veículo robusto e que pudesse aguentar a estrada de terra até a sua residência. Foi quando encontrou uma picape Ford F-75 à venda. O carro, embora tivesse passado por uma restauração recente, não agradou Noemi. “Apesar da picape ter sido restaurada, o serviço não foi bem executado. Foi utilizada muita massa na carroceria e devido ao tipo de terreno que eu trafego fiquei preocupada de que com o tempo aquilo pudesse gerar trincas e a ferrugem voltar a tomar conta”, explicou
Tanto o marido como filhos acharam loucura aquela aquisição, mas Noemi partiu para a etapa seguinte. Encontrar um bom restaurador. Foi quando por indicação ela achou um na própria cidade de Campos do Jordão. “Encontrei um restaurador que dizia entregar o serviço em três meses, mas que no final só entregou a Filomena pronta 1 ano depois”, contou Noemi.
Para dar início à restauração a dona fez um empréstimo de R$ 9 mil, outra atitude que a família desabonou, mas que era necessário para a Filomena voltar a ficar como nova. O carro foi inteiramente desmontado e refeito parte por parte. Noemi quis preservar o máximo de originalidade possível na F-75 ano 1976. O primeiro passo foi fazer o motor de seis cilindros voltar a rodar com gasolina, já que utilizava etanol. “Eu poderia ter instalado um motor de Opala quatro cilindros ou mesmo um diesel dessas picapes atuais, mas a Filomena perderia sua essência”, disse sorridente a Noemi Souza.
A proprietária diz que apesar do veículo contar com quase 40 anos, ainda aguenta pegar no batente diário. Ela transporta brita, terra, material de construção e se comporta muito bem. E a tração 4x4 com reduzida em temporada de chuva é um atributo a mais para vencer as estradas sem pavimentação. “Eu não conseguiria fazer o que faço com a F-75 com uma picape atual, elas iriam ter um desgaste maior além de uma manutenção mais cara”, desabafou.
Apesar dos bons serviços prestados pela F-75, dona Noemi está colocando a picape à venda. Um dos motivos é o consumo de combustível elevado para os padrões atuais, o valor da gasolina que pesa contra. “Meu filho fez recentemente uma manutenção no carburador, trocou bomba de combustível, mesmo sabendo dosar o pé a F-75 não passa dos 5 km/l”, explicou.