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Rumo à aposentadoria, câmbio AL4 ainda frequenta as bancadas e dá trabalho às oficinas


Polêmica, a transmissão automática produzida pelo grupo PSA e que equipa carros da Citroën, Renault e Peugeot é a que mais ocupa reparadores especializados. Afinal, ela ainda vale a pena?

Por: Antônio Edson - 04 de agosto de 2017

Assim como não se satisfazem mais com carros sem direção elétrica e ar-condicionado, muitos brasileiros, cada vez mais exigentes, rejeitam os automóveis com câmbio manual e preferem os automáticos ou automatizados. Segundo um estudo recente encomendado por uma montadora, 40% dos compradores de veículos de entrada do País gostariam que eles tivessem câmbio automático e, entre os que o já têm, 95% jamais retornariam ao câmbio manual. Até por uma razão de resistência física: quem dirige em uma cidade como São Paulo na hora do rush, por exemplo, troca de marcha mais de 200 vezes por hora. Haja pedal e haja braço!

Pressionadas, portanto, pela necessidade de proporcionar menor esforço aos motoristas, e por uma comodidade que, afinal, elas mesmas inventaram, as montadoras procuram oferecer o que o consumidor deseja. Somente entre 2014 e 2015, a oferta de veículos sem pedal de embreagem cresceu mais de 30%, enquanto a de veículos com câmbio manual diminuiu 35%. E considerando os novos lançamentos essa tendência crescerá ainda mais.

Procura-se especialista

Para os repaFoto 1radores independentes que sabem ler nas entrelinhas este é o momento para se especializar em um segmento no qual nem todos se dedicam: o da transmissão automática. Isso porque, embora não aconteça a toda hora – felizmente para os motoristas –, com o aumento em circulação de veículos com câmbios automáticos ou automatizados a demanda reparativa no segmento está em alta, sem falar que um conserto nessas transmissões se situa entre os mais complexos e de maior valor de ticket-médio.

De acordo com o Consultor OB desta edição, o reparador Marcelo Farias, 27 anos (foto 1), sócio da Congonhas Câmbios Automáticos, localizada no bairro do Aeroporto, em São Paulo (SP), os custos de um reparo de transmissão automática oscilam de R$ 4 mil a R$ 7 mil reais, mas podem chegar a muito mais em casos especiais, como o de certos veículos importados. E o motivo não está no valor das peças, todas vindas de fora, mas no custo da mão de obra. “Por mais que tenha crescido a demanda por veículos automáticos ou automatizados no País ainda não temos uma tradição de reparação nesse segmento e são poucos os especialistas. Precisamos de mais cursos técnicos e de mais gente disposta a aprender, pois trabalho não falta. Agora mesmo estou atrás de um montador e não encontro”, expõe. Um exemplo da alta demanda de serviço, segundo ele, é o câmbio AL4 que equipa a maioria dos veículos franceses. “Dos 30 câmbios automáticos que, em média, reparamos em um mês, ao menos 10 são dessa configuração”, conFoto 2tabiliza.

Descontinuação

Lançado em 2001 pelo grupo PSA (Peugeot, Citroën e Renault), o câmbio AL4 é um sistema de transmissão automática de 4 marchas, além da ré, tido como campeão de intercorrências na modalidade e um dos responsáveis pelo conceito não muito abonador que os veículos de origem francesa gozam junto a alguns reparadores. Os fóruns da internet dedicados a discutir questões automotivas ilustram. Em uma consulta realizada em junho ao Fórum do jornal Oficina Brasil, por exemplo, foi possível detectar ao menos 15 postagens a respeito de seus problemas.

Em que pese ter sido descontinuado – este ano, a Citroën começou a adotar em alguns de seus modelos uma nova transmissão automática de 6 velocidades desenvolvida pela japonesa Aisin –, é certo que o AL4 será visto ainda por muito tempo na bancada dos especialistas (foto 2). “Isso porque a quantidade desses câmbios em circulação no País é maior do que a de qualquer outro tipo de transmissão automática. Afinal, em relação às demais, seu custo de produção é baixo. Além disso, se trata de um sistema composto por peças que não se deram bem às difíceis condições brasileiras. Sem falar de nossas pistas ruins, a topografia acidentada de algumas cidades do País, com muitas ladeiras, desgasta precocemente esse câmbio”, avalia Marcelo.

Fluido vencido

O veículo focalizado nesta matéria foi um Citroën C5 2006 (foto 3) com 160 mil quilômetros rodados e que, de acordo com seu proprietário, apresentou um sintoma clássico: trancos fortes na passagem das marchas. O carro ainda entrava no modo de emergência ou permanecia constantemente na 3ª marcha com o painel indicando uma anomalia na transmissão. “Às vezes, o carro pode também apresentar flutuação de marcha ou, em termos mecânicos, dar marcha vazia”, acrescenta o consultor OB Marcelo Faria.

Na desmontagem da transmissão, o reparador constatou que o problema deveu-se provavelmente à falta de lubrificação. Ou seja: o fluido do câmbio venceu ou não foi trocado no período certo, perdeu sua viscosidade e ocasionou um desgaste das cintas (foto 4). “Aconselhamos aos clientes trocar o fluido a cada 60 mil quilômetros mesmo que o manual do proprietário omita essa orientação que deveria ser obrigatória. Uma ideia seria se os veículos, hoje com tantos recursos eletrônicos, apresentassem no painel um aviso de aproximação do tempo da troca desse fluido, como fazem em relação às revisões”, sugere Marcelo.

“Derrame”

Em um sistema hidráulico e eletrônico em que tudo precisa trabalhar de forma sincronizada um problema leva a outro e assim sucessivamente, resultando em uma cascata de falhas. Logo, o dano nas cintas do C5 comprometeu o tambor (foto 5) de freio do câmbio. A falta de ação do fluido ainda sobrecarregou o filtro (foto 6) que não deu conta de reter as impurezas e muitas delas passaram para o interior do bloco do câmbio e estragaram as válvulas solenoides (foto 7). Os discos de embreagens (foto 8) igualmente exigiram uma substituição, assim como o pistão de vedação de borracha (foto 9) que, por falta de lubrificação, endureceu a ponto de se tornar praticamente uma peça de plástico rígido.

“Outro problema recorrente no câmbio AL4, quase tão comum como o das cintas e das válvulas solenoides, acontece com os anéis de vedação (foto 10). Eles simplesmente perdem o poder de vedar e provocam uma espécie de ‘derrame’ ou um vazamento no interior da transmissão, o que exige a reposição por um novo kit de vedação”, descreve o consultor OB.

A única peça da transmissão automática que não é aberta na Congonhas Câmbios Automáticos, e na maioria das oficinas especializadas, é o conversor de torque (foto 11), pois o procedimento exige um torno especial. O conversor de torque, segundo Marcelo, é a peça da transmissão que, como o nome já indica, transmite a força ou torque do motor para o automóvel. “O seu interior é composto por hélices, os chamados estatores, ou uma espécie de turbina. Na retífica, esse conversor é aberto e limpo para o fluido voltar a circular normalmente por ele”, explica.

Após o processo e todo o trabalho de oficina, que demora de três a quatro dias, o câmbio é montado (foto 12) com as novas peças e o fluido resposto, e recolocado no veículo. “Fazemos um teste de rodagem de pelo menos 15 quilômetros para sentir o resultado da reparação”, afirma Marcelo. E só depois disso o veículo é entregue ao proprietário, não sem antes alguns alertas.

Veredicto

“O câmbio AL4, como qualquer outro, tem um tempo de vida útil que depende de uma troca criteriosa de seu fluido, cujo prazo de validade aproximado é de 60 mil quilômetros”, avisa o consultor OB. Isso não quer dizer, segundo ele, que a durabilidade dessa transmissão se baseia apenas nesse fator. Marcelo adverte que seus componentes são, reconhecidamente, mais frágeis e que sua vida poderia se prolongar se contasse com peças mais robustas. “Principalmente se fossem mais adequadas às condições brasileiras. O AL4 seria mais durável se fosse tropicalizado”, acredita o reparador. O problema é que aí, certamente, o custo do câmbio AL4 subiria às alturas, privando muitos motoristas da comodidade de uma transmissão automática.

Pesando prós e contras, em um julgamento final, o especialista não condena o câmbio AL4. “Não. Antes de achá-lo ruim levo em conta tudo o que ele ofereceu até quebrar. Considerando o seu custo de produção, mais barato para a montadora e mais acessível para o consumidor; o seu custo de reparação, inferior ao dos demais câmbios, e o conforto que ele proporciona diria que ele cumpre seu papel. Das transmissões verdadeiramente automáticas, e não automatizadas, é a que, na verdade, custa menos para o consumidor. Mas como tudo evolui, principalmente na indústria do automóvel, o câmbio AL4 teve o seu tempo e será ultrapassado por outros mais modernos e, tomara, mais resistentes. Aliás, isso já está acontecendo”, garante.